A exploração sustentável de nosso mar ainda não entrou na agenda de prioridades do governo. Estão em jogo velhos e novos problemas, e oportunidades promissoras, que não podem mais ser perdidas.
Por Marici Capitelli e Simone Silva Jardim

“O mar é o grande avisador. Pô-lo Deus a bramir junto ao nosso sono, para nos pregar que não durmamos”. A frase foi escrita em 1898 por Rui Barbosa, em seu artigo “A lição das esquadras”. Quem diria, o pensamento desse valoroso brasileiro tem força, mais de um século depois, para colocar de joelhos e fazer corar um gigante como o Brasil, cuja história, geografia e riquezas estão intimamente ligadas ao mar. Explica-se.
Como sociedade, temos feito pouco caso de nossa mais profunda, promissora e verdadeira vocação. Passados séculos da alforria de Portugal, não é exagero dizer que somos náufragos nesse território de 3,6 milhões de quilômetros quadrados, cujas águas profundas e salgadas abrigam a maior biodiversidade da Terra – não por acaso é chamado de nossa Amazônia Azul.
A Marinha do Brasil vem chamando a atenção para a existência dessa segunda Amazônia, constituída pelo mar territorial de 200 milhas marítimas (370 km). A ilustração ao lado mostra com clareza essa e outras faixas de nosso mar.
A Amazônia Azul, cuja extensão e riquezas são comparáveis às da Amazônia Verde, tem sido alvo da cobiça internacional. Além desse território, a fronteira marítima Brasil-África e as vias de acesso ao Atlântico Sul são outras áreas estratégicas que não têm sido devidamente vigiadas. Pelo mar passam cerca de 95% de nosso comércio exterior. Também do mar são extraídos 83% do petróleo que produzimos.
Preocupado com a vulnerabilidade da costa e de toda extensão da Amazônia Azul, o comandante da Marinha, almirante Roberto de Guimarães Carvalho, tem defendido uma ofensiva do governo para que, num futuro próximo, se possa dispor de uma estrutura capaz de fazer valer todos os direitos do país no mar.
“Qualquer país pode deslocar uma força naval para operar nas proximidades das áreas marítimas onde se localizam nossas plataformas de exploração de petróleo sem nenhum constrangimento de ordem jurídica, embora possa haver de ordem política. Daí ser o mar, por excelência, o cenário próprio para o surgimento de crises internacionais de natureza político-estratégica. Tais crises, quando mal conduzidas, podem escalar para conflitos armados que sempre interessam aos mais fortes ou, mesmo quando bem manobradas, tendem a sujeitar os mais fracos a aceitar as condições impostas pelos mais fortes. A existência de uma Marinha com capacidade crível de dissuasão é o único recurso plenamente satisfatório”, ressalta o comandante da Marinha.
Outro aspecto que não deve mais ser negligenciado, segundo o almirante, é o das denominadas “novas ameaças”, entre as quais, além dos crimes transnacionais e ambientais, está incluído o terrorismo internacional.
“Plataformas de exploração de petróleo são alvos potencialmente tentadores para ações terroristas. Assim, além da capacidade de dissuasão já mencionada, a Marinha necessita ter uma outra capacidade, qual seja, a de poder patrulhar de forma permanente todo o imenso mar que nos cerca, incluindo, prioritariamente, as áreas marítimas de exploração de petróleo”.
O comandante da Marinha apresentou à Casa Civil da Presidência da República programa de reequipamento da Força, que exigiria, ao longo de 20 anos, gastos estimados em R$ 6 bilhões. Para dar largada ao processo seria necessária a liberação de R$ 600 milhões. A prioridade da Força é trabalhar na construção de novos submarinos. Pudera. Há muitos governos, a falta crônica de investimentos tem acelerado a aposentadoria de embarcações da Marinha.
De 1999 para cá, 21 navios e 6 aeronaves deixaram de ser usados. Até 2025, devem ser desativados 87% dos navios hoje em uso. “É como se a Marinha estivesse desaparecendo”, lamenta Carvalho.
Hoje, a Marinha do Brasil não dispõe de meios flutuantes, aéreos e anfíbios adequados e em quantidade suficiente para garantir a defesa e soberania satisfatórias de nosso mar. Os recursos atualmente previstos para o Programa de Reaparelhamento da Marinha (PRM) serão suficiente apenas para substituir ou modernizar os meios existentes, sem ampliar seu número.
A Esquadra, sediada no Rio de Janeiro, constitui o núcleo do Poder Naval brasileiro. Nos últimos dois anos, seu efetivo foi reduzido de 33 para apenas 28 navios. Preocupante mesmo é a diminuição do número de navios de escolta, de 18 para 14 (quando 20 seriam o mínimo necessário), uma vez que tais unidades são essenciais em qualquer operação.
Perigosa vulnerabilidade – No quesito defesa nacional, há uma unanimidade entre estudiosos e autoridades. “A vulnerabilidade de nosso mar territorial é, com certeza, uma de nossas maiores dificuldades”, aponta o vice-almirante Marcílio Boavista, do Alto Comando da Marinha.
Sem dúvida, uma das vertentes dessa vulnerabilidade é a falta de vigilância. A defesa de nosso mar cabe à Marinha. Entretanto, a Força, assim como o Exército e a Aeronáutica, não recebe investimentos necessários do Governo Federal.
“A demanda por esforços de vigilância é muito alta, mas com a atual estrutura a Marinha não tem como dar conta”, admite Marcílio. Outro colega, o comandante Guimarães Carvalho, também já admitiu publicamente que os equipamentos de vigilância estão obsoletos, o que coloca o Brasil à mercê, por exemplo, de contrabandistas e da pesca predatória.
Não temos vigilância, mas pelo visto sorte não nos falta. “A nossa sorte é não termos terrorismo com homens-bomba dispostos a atacar nossas plataformas de petróleo. Qualquer pessoa em um barquinho poderia atacá-las. Imagine a tragédia humana e o acidente ambiental”, pondera o vice-almirante Izidério Mendes.
Por falar em petróleo, são quase dois milhões de barris extraídos diariamente pela Petrobras, mas ainda falta consciência entre os consumidores que esse combustível fóssil vai acabar um dia. A saída, segundo o contra-almirante Nélio da Silva, são investimentos imediatos em pesquisa de fontes renováveis, de base marítima, como já faz o Japão, que gera energia elétrica a partir daquelas ondas que fazem a alegria dos surfistas.
Dificuldades internas – Apesar do imenso tamanho de nossa área costeira, não temos uma tradição de consumidores e produtores de peixe. O consumo brasileiro está em torno de 6,7 quilos/ano por habitante. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda 12 quilos. Um dos esforços da Secretaria Especial da Aqüicultura e Pesca (Seap) é justamente mudar essa situação.
“A nossa meta é desenvolver o setor com sustentabilidade e inclusão social”, explica o titular da pasta, Altemir Grigolin, que tem status de ministro. Em sua avaliação, entre nós o consumo só é expressivo na semana santa. Outro empecilho apontado por Grigolin é o preço do peixe, que em alguns casos é superior ao da carne. “O problema é a grande cadeia de intermediários hoje existente”. Para minimizar isso, a secretaria tem criado as feiras do peixe em várias regiões do país. O pescador vende direto ao consumidor que, obviamente, compra o produto por preços bem mais baixos.
O Brasil tem cerca de 500 mil trabalhadores que pescam, anualmente, 1 milhão e 15 mil toneladas de peixes. Desse universo, 79% são de analfabetos. Todos esses profissionais estão sendo cadastrados e o número deverá diminuir em torno de 20% a 25%, ainda este ano. É que muitos declaravam – falsamente – exercer a profissão para receber o seguro-defeso, pago pelo governo na época da reprodução dos peixes, o eqüivalente a um salário mínimo para cada trabalhador. Com esse seguro, eles deixam de pescar no período de defeso, ou seja, época de reprodução das espécies.
“No caso da sardinha, por exemplo, o tempo de defeso será ampliado de quatro para seis meses, em uma tentativa de recuperar os estoques do peixe”, ressalta o ministro.
A atividade em alto-mar pode ampliar significativamente a oferta do produto. O problema é a ausência de frota que tenha recursos para buscar o peixe onde ele ainda é abundante e não na área costeira, que já enfrenta esgotamento. Por falta de frota eficiente, não temos conseguido pescar o que temos direito em nossa Zona Econômica Exclusiva (ZEE).
A espécie espadarte é um exemplo citado pelo ministro. “Poderíamos chegar a quatro mil toneladas, mas capturamos cerca de três mil. O perigo é que nações com frotas apropriadas ficam de olho em nossos estoques”, alerta Grigolin.
De acordo com ele, a saída encontrada foi criar, em 2005, o Profrota – Programa Nacional de Financiamento da Ampliação e Modernização da Frota Pesqueira Nacional, que tem R$ 900 milhões de recursos. O objetivo é equipar as embarcações existentes para que possam ir para o alto-mar. Cerca de 3 mil barcos já foram equipados.
O fundo do governo pretende mudar um cenário de desvantagem. Sem frota própria, a maioria de nossas empresas que fazem pesca oceânica de profundidade arrendam pesqueiros estrangeiros, o que aumenta os custos de produção e causa perda de divisas para o país. O ministro ressaltou que o trabalho do governo também tem por objetivo promover o ordenamento pesqueiro.
“Queremos estimular a pesca de espécies pouco exploradas como o polvo, o peixe-sapo e o caranguejo real e inibir, por exemplo, a captura da lagosta”.
Um dos projetos da secretaria é fazer o rastreamento dos barcos pesqueiros por satélite por meio de uma parceria com a Marinha. “Em tempo real, vamos poder saber onde estão pescando e confrontar os dados que as empresas nos informam com as reservas de peixe”. O terminal de acompanhamento deve ser instalado nos próximos meses no Rio de Janeiro.
A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) estima que 75% das espécies de valor comercial estão ameaçadas e que o poder de captura das embarcações é 250% superior à capacidade sustentável dos oceanos. Além disso, em 2030, estima-se uma demanda de 90 milhões de toneladas de peixe em todo o mundo. O Brasil tem uma grande vantagem: o tamanho de sua costa. Só precisa superar suas dificuldades internas.
Sal ecológico – O Estado do Rio Grande do Norte é o maior produtor de sal do país, “Dá para dizer que a região é a mais vocacionada, no mundo, para esse tipo de produção”, afirma Afrânio Manhães, secretário executivo da Associação Brasileira de Produtores e Extratores de Sal (Abeersal).
Ali, anualmente, são produzidas 5 milhões de toneladas de sal, o que coloca o país em 10º lugar no ranking mundial. A vantagem brasileira perante a concorrência externa é a produção genuinamente ecológica que se faz no país. “O principal método que usamos é o da evaporação solar, que não é agressivo ao meio ambiente e não provoca degradação. Lá fora, o Brasil goza de um conceito muito positivo nessa atividade”, informa Afrânio.
Segundo ele, o método mais usado no mundo é o da mineração do sal, extraído da crosta terrestre, que causa muitos impactos negativos.
Ondas que iluminam – No porto de Pecém, a 60 quilômetros de Fortaleza (CE), as ondas do mar vão iluminar parte do porto com 50 megawatts. Em uma segunda etapa, o sistema deverá abastecer as câmaras frigoríficas e complementar a energia que abastece uma comunidade próxima de pescadores, onde vivem 200 pessoas.
O projeto é uma parceria entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro e o Governo do Ceará. Os custos da usina estão estimados em R$ 4,1 milhões. Metade dos recursos serão custeados pela Eletrobras.
A região foi escolhida porque apresenta uma constância na força das ondas. Para que a energia seja captada, serão instalados 20 módulos flutuantes que avançarão dois quilômetros mar adentro. Grosso modo, esses equipamentos captam as ondas e as transformam em energia elétrica. “É uma energia limpa, renovável, que não emite som e não interfere na paisagem”, explica um dos pesquisadores, Paulo Roberto Costa, do Laboratório de Tecnologia Marítima da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O projeto, em fase piloto, está sendo visto como uma genuína oportunidade de exploração sustentável do mar. “Com essa costa imensa que temos, queremos mostrar que a energia derivada das ondas do mar é uma possibilidade viável”, ressalta Adão Linhares, secretário de Infra-Estrutura e coordenador de Energia e Comunicações do Governo do Ceará.
A obra já está em fase de licitação. Dois módulos flutuantes deverão entrar em operação no ano que vem. Os resultados obtidos nessa primeira etapa servirão como base para a instalação de outros 18 equipamentos – juntos, vão gerar 500 megawatts. Quando isso acontecer, o trabalho perde a condição de piloto e ganha o status de empreendimento comercial.
O preço é uma das vantagens da energia vinda do mar, cujo valor estimado é de US$ 60 mw/h. É praticamente o mesmo da hidrelétrica, mas é mais competitivo que a eólica, que custa entre US$ 95 a US$ 105. E, com certeza, mais em conta que a solar, que depende de tecnologia mais complexa e onerosa.
Conhecer para explorar – A localização e a quantidade de todos os recursos vegetais, animais e minerais que guardam nossas águas ainda precisa de mapeamento e pesquisa, cuja logística pode ser bastante complicada: as distâncias a percorrer são enormes, não só na horizontal, mas na vertical, com profundidades de até 5 mil metros. O universo a ser investigado tem potencial para múltiplos usos: farmacológico, cosmético, nutricional, combustível, etc.
Do levantamento feito até agora – até mil metros de profundidade – o mar brasileiro abriga uma diversidade muito grande de peixes, mas poucos exemplares de cada espécie. Isso não significa que a pesca não possa ser uma atividade rentável para o país. Estudiosos apontam a gestão sustentável dos estoques disponíveis como um negócio promissor, especialmente de espécies de alto valor comercial, como madeira, cherne e namorado.
Outras riquezas pouco exploradas estão no solo marinho. Além de petróleo e gás, estudos indicam que o fundo do mar contém grandes jazidas minerais que poderiam ser exploradas a partir de novas tecnologias. “Há riquezas incalculáveis na nossa plataforma continental”, diz o capitão-de-mar-e-guerra Carlos Frederico Simões Serafim. “Os países desenvolvidos provavelmente já têm tudo isso mapeado, mas nós, não”.
Se o Brasil não se apoderar desses recursos, muitos temem que eles acabem na mão de “biopiratas”, seguindo viagem em embarcações estrangeiras de pesquisa e exploração e, posteriormente, sendo patenteados em outros países.
Esgoto a mar aberto – No Brasil há 40 portos, sendo que 17 deles estão situados dentro de capitais. E com um agravante. A grande maioria lança efluentes nas águas sem nenhum tratamento. “O esgoto é um dos principais problemas do ambiente marinho. Mas ele não vem só dos portos. São principalmente os esgotos urbanos das cidades litorâneas, lançados ao mar sem tratamento, que nos preocupam”, afirma o oceonógrafo Bauer Rodarte de Figueiredo Rachid, assessor técnico-científico da Fundação de Estudos e Pesquisas Aquáticas (FUNDESPA).
Para se ter uma idéia, os terminais são responsáveis pela movimentação de cinco mil navios todos os dias, que geram todo tipo de poluição, inclusive emissão de óleos que contaminam o lençol freático. Por eles passam 95% de nosso comércio – no mundo, 99% das trocas comerciais são feitas pelo mar.
Embora fundamentais para a economia brasileira, os portos também sofrem de um outro problema, estão com sua capacidade esgotada. O Governo Federal, apesar de reconhecer a importância deles, não tem vontade política para modernizá-los.
Em 2003, foram destinados R$ 64 milhões para investimentos nos portos. Naquele mesmo ano, foi lançada a Agenda dos Portos, um trabalho que avaliou a necessidade de intervenções para que 11 terminais tivessem sua capacidade aumentada. O levantamento concluiu que seriam necessárias 64 obras. Só que, até agora, há apenas 18 ações concluídas. A justificativa do Executivo é que o trabalho esbarrou na falta de licenças expedidas pelos órgãos ambientais.
Indústria ressuscitada? – A recuperação da indústria da construção naval brasileira ainda é só uma esperança. Com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), projeto orçado e que prevê
R$ 1 bilhão, que prevê a construção de 26 navios para a Transpetro, subsidiária da Petrobras. está em fase de licitação. E deverá gerar 20 mil empregos.
Nos anos setentas, o setor foi responsável por 40 mil postos de trabalho. Na época foi elaborado o Primeiro Programa Nacional de Construção Naval e, além de construir nossos navios, ainda exportávamos para os países do chamado Primeiro Mundo.
O auge da atividade foi nos anos de 1980 e por questões políticas e econômicas, nos últimos dez anos, mergulhou em crise profunda. Para se ter uma idéia, nossa indústria tinha 22% de participação no comércio exterior brasileiro. Atualmente esse patamar está em anêmicos 4%.
Sem navios próprios, o Brasil paga altos fretes para o transporte de mercadorias. Na ponta do lápis, gastamos, por ano, R$ 8 bilhões. Quantia astronômica e suficiente para tirar o setor do estado vegetativo em que atualmente se encontra. “É um dinheiro que estamos jogando fora”, afirma o vice-almirante Izidério.
Acordar é preciso – A sociedade brasileira está de costas para o mar. Essa é a opinião do empresário do setor ambiental, Eugênio Singer, referindo-se à mentalidade marítima que perdemos ou simplesmente negamos. “Fomos colonizados por Portugal, que tem uma sólida tradição marítima, mas esquecemos de fazer essa lição de casa fundamental ao longo de todos esses séculos”, analisa Singer.
A falta desse olhar para nossa vocação natural tira a identidade do país. “Não temos uma governança costeira. As ações são todas fragmentadas. Os projetos científicos ainda têm trabalhos mais integrados. Mas os demais setores, não”, avalia o empresário que, em parceria com a historiadora Cristiane Limeira lançou, em agosto, o livro Governança Costeira: O Brasil voltado para o Mar, no qual discute o problema.
Singer também é um dos diretores do Instituto Pharos – Em Defesa do Oceano, que promove o projeto Guardiões do Mar, que beneficia 40 alunos da rede pública do município litorâneo de Santos (SP). Jovens entre 14 e 18 anos estão conhecendo a potencialidade e os problemas do mar in loco.
“Queremos desenvolver a mentalidade marítima. Esses estudantes desconhecem o ecossistema da própria região onde vivem. Já as partes interessadas em defender e desenvolver nosso potencial marítimo estão totalmente desorganizadas”. Singer cita países como Inglaterra e nosso vizinho Chile, que conseguiram integrar esforços e cuidar de suas águas como elas merecem.
O advogado e consultor ambiental Antonio Fernando Pinheiro Pedro afirma que já passou da hora de o país investir pesado na exploração econômica de seus recursos marítimos. ”Sem perder de vista, é claro, as diretrizes e parâmetros do desenvolvimento sustentável”, defende Pinheiro Pedro. O advogado critica os ambientalistas que não têm essa visão. “São as viúvas do nazismo”, provoca. Ele faz alusão ao Código Ecológico do III Reich, idealizado por Adolf Hitler e cheio de boas intenções. Nada além.
“Precisamos assumir de maneira total e soberana nossas águas”, enfatiza o advogado.
A Marinha defende a criação de um Conselho Nacional para o Gerenciamento do Mar, para acompanhamento de políticas e ações nessa faixa de nosso território. Seria um órgão de assessoramento imediato ao presidente da República, composto por ministros e dirigentes de órgãos públicos ligados ao mar e também contaria, quando necessário, com a participação da iniciativa privada.
“O Brasil precisa acordar para a importância do mar”, define o vice-almirante Marcílio. E acrescenta: “Essa parte vital de nosso território não pode mais ser vista apenas como fonte de lazer para ser desfrutada em um dia de sol. O mar requer toda nossa atenção”, conclui o vice-almirante do Alto Comando da Marinha.
O Brasil vai virar mar
Os Estados costeiros sempre aceitaram a existência do denominado mar territorial – no passado era de 3 milhas marítimas (1 milha marítima equivale a 1.852 metros) de largura, a contar da linha da costa. Essa distância correspondia ao alcance dos canhões que, à época, existiam nas fortificações do litoral. No final da década de 1950, a ONU passou a discutir o que viria a ser, anos mais tarde, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar, resposta ao fato de os Estados passarem a ter consciência sobre o potencial das riquezas guardadas pelas águas, o que poderia, no futuro, gerar crises e conflitos. O Brasil participou ativamente da elaboração desse regime internacional, adotado formalmente em 1982 pela ONU. Esse acordo ainda hoje não foi ratificado por países como os Estados Unidos da América.
Os limites estabelecidos pela Convenção do Mar e sua aplicação prática ao caso brasileiro podem ser vistos na ilustração da página 14. Na faixa até 12 milhas da costa, o país tem soberania absoluta sobre os recursos e trânsito de embarcações. “É uma extensão da costa, como se fosse terra”, explica o capitão-de-mar-e-guerra Jorge de Souza Camillo, coordenador do Comitê Executivo para o Programa de Mentalidade Marítima (Promar).
Já na ZEE o trânsito de embarcações é livre e o Estado não pode, por exemplo, negar o chamado “direito de passagem inocente” a navios de outras bandeiras, inclusive os de guerra. Há que se notar que nessa faixa o Brasil é dono de todos os recursos vivos e não vivos da água, do solo e do subsolo. Entretanto, na ZEE é prerrogativa do Estado costeiro autorizar outros países a fazer a exploração dos recursos ali contidos. Porém, no que diz respeito aos recursos vivos, a convenção prevê que, caso o Estado costeiro não tenha capacidade de exercer aquela atividade, é obrigado a permitir que outros o façam.
Pleito brasileiro – A Convenção do Mar permite, ainda, que os Estados costeiros apresentem à Comissão de Limites da ONU os seus pleitos sobre o prolongamento da plataforma continental (PC), desde que exceda as 200 milhas da sua ZEE, até um limite de 350 milhas, a partir da linha da costa. Nesse prolongamento, o Estado costeiro tem direito à exploração e explotação dos recursos do solo e subsolo marinhos, mas não dos recursos vivos da camada líquida.
Aviso aos navegantes e outros interessados: em setembro de 2004 foi entregue à ONU o Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (Leplac). O estudo levou dez anos para ser concluído e reuniu cientistas, pesquisadores, Marinha, universidades e Petrobras. O Leplac apresenta pedido do governo brasileiro à Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas. Pleiteia que nossa faixa de mar seja ampliada. Ano que vem sai o veredicto.
Se afirmativa a resposta, ganharemos 911 mil quilômetros quadrados de mar, uma área equivalente à soma dos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Desta forma, poderão ser acrescidas duas áreas do Oceano Atlântico: da Guiana até Natal (RN) e do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul. Nosso mar territorial ficará, então, com 4.450 milhões de quilômetros quadrados. “É um mar que nos pertence e que, finalmente, vai ser reconhecido internacionalmente”, afirma o vice-almirante Izidério Mendes, do Alto Comando da Marinha.
O geólogo Marcos Aguiar Gorini, do Laboratório de Geologia Marinha da Universidade Federal Fluminense (RJ), que já participou da comissão da ONU, classifica como uma oportunidade fantástica o aumento de nosso mar.
“Pela primeira vez, o Brasil vai ter seus territórios bem definidos de leste a oeste, e de norte a sul. Nossas fronteiras serão fechadas. É um ganho sem precedentes”. Na avaliação de Gorini o fato deve inaugurar, no debate público, a exploração sustentável dos recursos minerais contidos nessa área e que deverão se tornar grandes fontes energéticas em um futuro não muito distante.
Não se pode perder de vista que quase 80% da população brasileira vivem a menos de 200 quilômetros do litoral, faixa que abriga um patrimônio ambiental e um potencial econômico praticamente inexplorados por puro desconhecimento. Mais um de nossos paradoxos, pois esse cenário aparentemente tão promissor está repleto de problemas, como a vulnerabilidade na defesa das águas, poluição, portos sucateados e definhamento da indústria naval nacional.
Bônus e ônus de uma divisa de R$ 130 milhões
Estima-se que cerca de 330 mil turistas vão navegar pelas águas brasileiras de outubro de 2006 até abril de 2007. O número de passageiros é 43,5% maior que na estação anterior. Só no ano passado, os viajantes deixaram R$ 130 milhões nos portos brasileiros. Divisas imprescindíveis, mas não dá para não falar da poluição que o turismo marítimo traz.
Estudos indicam que as chaminés de um único navio, de passageiros ou de carga, lançam no ar o eqüivalente à poluição de 12 mil automóveis. São 50 mil partes por milhão de óxido de enxofre.
A água de lastro, que fica armazenada em navios de carga para dar segurança nas manobras quando eles estão descarregados, transformou-se em vetor de poluição. O problema é que nessa água ficam abrigadas espécies da fauna marítima. Quando ela é despejada, introduz seres e organismos desconhecidos no meio marítimo local, o que pode gerar graves problemas ambientais.
Órgãos internacionais estimam que circulam pelo mundo 12 bilhões de litros de água de lastro todos os anos, carregando pelo menos 4,5 mil espécies. Entre elas estão agentes de doenças. O Brasil teve suas águas invadidas por mexilhões dourados, de origem asiática, que aqui se reproduziram de maneira descontrolada, chegando a 100 mil indivíduos por metro quadro.
A Companhia Energética do Estado de São Paulo (CESP) teve de interromper a geração de energia em Porto Primavera, no Paraná, por causa dos mexilhões que se instalaram em suas tubulações. A usina só voltou a operar após custosa operação de limpeza.
“A água de lastro não é apenas um problema ambiental gravíssimo. Tem conseqüências econômicas bastante sérias”, informa a bióloga Eliane Gonzalez Rodrigues, do Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira ligado a Marinha. Ela, um advogado e oito integrantes do alto Comando da Marinha, muitos deles ouvidos nesta reportagem, são co-autores do livro Amazônia azul, o mar que nos pertence, recentemente lançado.
S.O.S. para as vítimas mais frágeis do mar
Este ano, eles viraram símbolo das criaturas frágeis do mar. Foram mais de 150 pingüins que apareceram nas praias do Rio de Janeiro. Só no mês de junho, perto de 50 deles foram resgatados. Estavam debilitados e muitos à beira da morte. Vieram da região da Patagônia e só chegaram aqui porque se perderam de seu grupo.
Todos foram levados para o Zoológico de Niterói (RJ), que realiza um trabalho de recuperação e devolução ao meio ambiente de várias espécies animais. Os pingüins receberam tratamento intensivo, com soro e alimentação adequada, até recuperarem suas forças, mas muitos não resistiram.
No início de agosto, 24 animais foram embarcados em caixas especiais para o Centro de Reabilitação de Animais Marinhos (Cram), no Rio Grande do Sul. Em setembro, navios da Marinha e Petrobras desembarcaram, a cerca de 40 milhas de nossa costa, esses “passageiros”, pois ali há correntes marítimas para levá-los de volta à sua casa, a Patagônia.
Mas não são apenas os pingüins que recebem socorro no Brasil. O Zoo de Niterói não para de receber animais machucados, como lobos marinhos, aves e outras espécies.
“As tartarugas são as vítimas mais numerosas. As hélices dos barcos é que causam esses graves ferimentos. Precisamos fazer uma conscientização urgente”, afirma Giselda Candioto, diretora do Zoo de Niterói.
O número de animais que precisam de ajuda levou a instituição a elaborar um projeto que propõe a criação do Centro de Recuperação Marinho. Os custos estimados são de R$ 300 mil. A proposta é a criação de três tanques – acolhimento, tratamento e recuperação – para o tratamento adequado das vítimas.
Os funcionários do zoo sonham, ainda, em criar uma praia artificial com areia e até coqueiros para facilitar a recuperação e integração dos animais no meio ambiente. “A nossa ideia não é tê-los para exposição pública, mas recuperá-los para a vida no seu meio de origem”, explicou Giselda.