Em pouco mais de duas décadas, a competividade nas empresas ganhou uma nova e desafiadora feição – hoje a boa performance de um negócio concretiza resultados muito além da cadeia produtiva.
Por Alexandre Fogaça
Há um forte contraste na perspectiva empresarial adotada décadas atrás e as possibilidades inauguradas pelos novos paradigmas. Nos anos de 1980, o setor produtivo brasileiro, incluindo o seleto grupo das companhias transnacionais, mantinha-se, na área ambiental, restrito ao cumprimento das exigências legais. Hoje, um rápido olhar na estratégia de negócio e estrutura organizacional de várias empresas faz constatar grande mudança de posicionamento: a sustentabilidade que equilibra em uma mesma equação os aspectos econômico, ambiental e social, “aposentou” antigas posturas reativas, abrindo caminho para um admirável salto qualitativo (veja quadro abaixo).
Segundo Waleska Ferreira, gerente de Assuntos Governamentais e Socioambientais da Unilever, o posicionamento, pelo menos das grandes corporações, evoluiu consideravelmente nas últimas décadas.
“Na década de 1980, o departamento de Meio Ambiente estava concentrado na área de engenharia e não existiam muitos profissionais que lidassem especificamente com esse assunto. O engenheiro de fábrica é que cuidava das questões ambientais, mas houve, ao longo dos anos, uma evolução de todo o processo. Antes bastava o cumprimento de normas, controle no final do processo industrial e outros atos isolados de responsabilidade ambiental corporativa. Hoje a postura é muito mais abrangente”, afirma Waleska.
Para a gerente da Unilever, o desenvolvimento expressivo das áreas de meio ambiente e responsabilidade social e a crescente demanda por profissionais especializados são reflexos das demandas do mercado que pelo menos empresas com visão estratégica têm buscado atender da melhor forma possível.
“A gestão socioambiental nas grandes companhias atualmente está focada na responsabilidade por toda a cadeia produtiva, incluindo a análise de ciclo de vida dos produtos e o ecodesign, e também a integração da estrutura empresarial com as comunidades”, observa Waleska.
Fazendo bem mais – Identificadas como pró-ativas, companhias como a Unilever apresentam, desde o alto escalão até o pessoal do chão de fábrica, um forte comprometimento com assuntos relacionados ao meio ambiente e à responsabilidade social. Fazem bem mais do que manda a lei e são protagonistas de iniciativas que conciliam sua atividade-fim com projetos, por exemplo, de inclusão social e geração de renda, que concretizam toda ordem de benefícios na sociedade.
Nessa direção também segue a Natura. Na comunidade da reserva Iratapuru, que fica no Amapá, a empresa patrocinou um plano de negócios que trouxe nova vida para cerca de 30 famílias. Essas pessoas hoje integram um grupo de empreendedores comunitários que aprendeu a extrair, de forma sustentável, o óleo da castanha, do breu branco e da copaíba. A preço de mercado, a empresa compra diretamente desses trabalhadores todas essas matérias-primas vegetais que utiliza na produção de seus cosméticos.
Outro bom exemplo vem da International Paper. Comprometida com uma política de não utilização de madeiras provenientes de áreas florestais ameaçadas, a companhia, que atua nos segmentos de papéis não revestidos e de embalagens, promove um projeto cultural que une educação e preservação ambiental. Aproximadamente 8 milhões de alunos de cerca de 36 mil escolas públicas e particulares de todo o país têm tido a oportunidade de aprender sobre a cultura dos povos que habitam as principais reservas florestais brasileiras, as características de sua flora e fauna e o que é preciso fazer para preservá-las.
Ecoeficiência – A gestão corporativa integradora do paradigma do desenvolvimento sustentável também deixou no passado o estrito cumprimento da legislação ambiental, pois, na calculadora, os números mostram ao empresário que compensa ir além do que exigem os regulamentos. Companhias como as siderúrgicas CSN e CST adotam a ecoeficiência. Elas fazem reuso da água e transformam calor em energia, reduzindo os gastos com insumos e os impactos do processo produtivo.
A ecoeficiência também está sendo buscada entre instituições financeiras. O Banco Real é pioneiro na adoção do papel reciclado em larga escala. Consome quase 100 toneladas de papel tamanho A4 a cada mês, o equivalente a 70% de todos os impressos usados internamente. A meta é chegar a 90%.
Valorização de pessoas – Importante notar que o engajamento dos públicos interno e externo é decisivo para o sucesso das políticas corporativas de desenvolvimento sustentável. Desta forma, funcionários, fornecedores e consumidores são estimulados continuamente a adotar essas práticas com objetivo de irradir mais rapidamente.
Na Philips, a política de desenvolvimento sustentável envolve a participação de funcionários, fornecedores e parceiros de negócios.
“Existe uma parte do programa de sustentabilidade da Philips em que nós conversamos com os fornecedores para buscar seu desenvolvimento. Com isso, eles aprimoram capacidades que também se revertem em ganhos para as comunidades locais”, comenta Flávia Moraes, gerente geral de Responsabilidade Social da Philips para a América Latina.
Questão de sobrevivência – De acordo com Fernando Almeida, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), representante, no Brasil, da rede WBCSD (World Business Council for Sustainable Development), as empresas estão inseridas em um ambiente competitivo de complexidade crescente, bastante sensível aos movimentos do contexto internacional. “Sua sobrevivência depende de um balanceamento entre o desempenho econômico, social e ambiental. O desafio é abrangente e inclui a utilização racional dos recursos naturais, mas também a reversão do quadro de esgarçamento do tecido social”, avalia Almeida.
O presidente do CEBDS acredita que é uma questão de sobrevivência o envolvimento de todo o setor produtivo brasileiro com as questões relacionadas ao desenvolvimento sustentável. Segundo ele, o desafio de incorporar essa cultura é ainda maior entre as médias, pequenas e microempresas, segmento que representa 99% dos 5,6 milhões de empresas do País.
“Quando aplica os princípios do desenvolvimento sustentável, a empresa de qualquer porte torna-se mais competitiva. Quando as políticas são claras na área de sustentabilidade, ela consegue obter e reter talentos e ter uma melhor relação com a mídia e com os órgãos de controle ambiental. Então, a empresa só tem a ganhar se for no caminho do desenvolvimento sustentável”, afirma Almeida.
Estímulo legal – Apesar de ser uma tendência mundial, com reflexos diretos na economia dos países, no Brasil a implementação das políticas corporativas de desenvolvimento sustentável tem esbarrado no restrito envolvimento das instituições públicas. A legislação brasileira pouco incentiva as empresas a adotar essa postura pró-ativa.
“Existe uma grande lacuna nessa área. Nossa legislação não estimula esse tipo de comportamento. O ideal é que as empresas que investem em sustentabilidade tivessem tratamento mais adequado. Porém, na falta desse incentivo, o assunto deve ser avaliado pelas companhias não como gasto, mas como investimento. Um dos maiores retornos que as empresas têm com isso é de imagem. Marca e reputação respondem por pelo menos 75% do valor de mercado de uma empresa. Portanto, suas ações nas áreas de sustentabilidade e responsabilidade social contribuem para agregar valor”, acrescenta o presidente do CEBDS.
Para a advogada Simone Nogueira, do escritório Pinheiro Pedro Advogados, a legislação nacional tem andado em ritmo lento, mas há marcos importantes.
“Existem algumas leis bem modernas, aprovadas a partir de 2004. Vale mencionar a legislação de compensação da poluição atmosférica, criada pelo decreto nº 50.753/06, em São Paulo, e que já está em vigor. Essa norma determina que cada empresa deve reduzir um percentual pré-estipulado de emissão de gases na atmosfera“, explica Simone.
Caso a empresa consiga reduzir mais do que é obrigada por lei, ela pode converter essa vantagem em créditos que podem ser vendidos para outras empresas que não conseguiram fazer a redução. Quem não se adaptar à regra, perderá a licença de operação.
“Outro projeto de lei interessante é o de número 5.974/05, que ainda está tramitando no Congresso Nacional e que trata do Imposto de Renda Ecológico. Ele pretende criar uma dedução no imposto de renda para quem fizer doações para entidades com projetos ambientais. A proposta é que a dedução no imposto chegue a 80% para pessoas físicas e 40% para pessoas jurídicas”, esclarece Simone.
Concretamente o que se pode afirmar é que, por se tratar de uma mudança cultural de fôlego, ainda há muito por se fazer nesse admirável e novo mundo da gestão corporativa integradora do paradigma do desenvolvimento sustentável.
Credenciamento para a nova postura
Para ser integrante do clube das empresas plugadas ao desenvolvimento sustentável, deve-se observar algumas regras de ouro: os fornecedores, em hipótese alguma, devem utilizar trabalho forçado ou infantil; é necessário cuidar para que os processos da companhia sejam realizados com a menor quantidade de energia possível, sem desperdício de água e outros recursos e com o maior cuidado possível no descarte de resíduos.
“Não é complicado realizar isso, pois existem muitas ferramentas administrativas que ajudam a fazer o gerenciamento de processos no meio ambiente, nas relações de trabalho e com a comunidade”, comenta Carmem Weingrill, da FGV de São Paulo.
Outro fator importante na obtenção de resultados é o envolvimento dos funcionários. Sem isso, não é possível estabelecer sintonia entre a proposta de desenvolvimento sustentável e sua aplicabilidade prática, dentro e fora da empresa.
Para o pesquisador Willians Coan, que escreveu monografia sobre gestão do conhecimento em seu MBA na Universidade de São Paulo, “as empresas precisam estar mais atentas para alcançarem resultados que minimizem as ações negativas e amplifiquem os resultados positivos. A comunicação com seus vários públicos de interesse não pode ter ruídos”, conclui Coan.