Por Ricardo Viveiros*
Há 89 anos(*), neste mesmo 9 de julho, São Paulo ia à luta e dava início ao fato que se tornou histórico como a Revolução Constitucionalista de 1932. Talvez, o mais emblemático acontecimento político desde a Proclamação da República, uma demonstração de absoluto respeito à Carta Magna do País. Sem respeito à Lei Fundamental, sob o vale-tudo dos oportunistas, prevalece a vontade do mais forte.
Os paulistas não aceitaram as consequências do Golpe de 1930. O movimento rebelde serviu, acima de tudo, para convencer o Governo de Getúlio Vargas, então provisório, da imperiosa necessidade de acabar com o caráter arbitrário do regime imposto ao País. Prevalecia no território paulista uma oligarquia, com partidos políticos que integravam a base de sustentação da Velha República contra os interesses dos golpistas. Diante de tantos impasses nos entendimentos das forças políticas, foram vários os interventores de um lado e de outro que governaram o Estado de São Paulo naquela época.
Assim, São Paulo se organizou para romper com o Governo Provisório. Getúlio Vargas, sentindo o clima, optou pela nomeação de Pedro de Toledo como interventor paulista, quase ao mesmo tempo em que apresentava o novo Código Eleitoral (ambas as medidas de fevereiro de 1932) e marcava eleições para 1933 (em maio). Tal demonstração de fraqueza, entretanto, só agravou os fatos. A morte de jovens estudantes em um confronto com as forças legais, trouxe o elemento que faltava para motivar a sociedade ao gerar mártires da luta. Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo, as vítimas que se tornaram heróis, estabeleceram a sociedade secreta MMDC, que se tornou a principal bandeira para a queda de Vargas.
Foi no dia 9 de julho de 1932, na capital paulista e sob a liderança do general Isidoro Dias Lopes, aquele mesmo do levante de 1924, que teve início a Revolução Constitucionalista. Contando com a participação de vários remanescentes do movimento de 1930, como os militares Bertoldo Klinger e Euclides Figueiredo, a luta por direitos civis uniu todas as classes sociais paulistas.

Todos queriam participar, mostrar sua insatisfação, pegar em armas se fosse preciso. A campanha “Ouro para o Bem de São Paulo” arrecadava contribuições, até alianças de casamento e outras relíquias de família foram doadas. As indústrias se mobilizaram para atender às necessidades de armamentos, panelas e outros utensílios de campanha. Faltou, apenas, a esperada adesão das forças mineiras e gaúchas. Os governos de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, embora aparentemente apoiassem a luta pela constitucionalização, decidiram manterem-se leais ao Governo Provisório.
Sem recursos, sem apoio e apenas com a coragem e a determinação em busca da legalidade, o movimento fracassou. Imagine que até uma espécie de reco-reco de madeira era usado, ardilosamente, para imitar o barulho de metralhadora e intimidar os adversários diante da falta de armamentos e munições à altura das forças federais. Em 1º de outubro de 1932 aconteceu a rendição, o fim da Revolução Constitucionalista. Os principais líderes perderam os seus direitos políticos e foram deportados para Portugal. Como afronta, Getúlio Vargas nomeou o general Valdomiro Lima – gaúcho e tio de sua mulher Darcy, interventor militar em São Paulo, cargo no qual ficaria até 1933.
Mas, a brava gente de São Paulo não foi derrotada, pelo menos do ponto de vista político e econômico. São Paulo seguiu sendo a locomotiva do País, mesmo o mundo estando em crise e o café perdendo preço no mercado internacional. O Governo Provisório de Vargas foi obrigado a manter a política de valorização do café, comprando e armazenando estoques, e entre outras medidas fez um refis das dívidas dos cafeicultores e aceitou bônus de guerra como moeda legal.
Do ponto de vista político, se fortaleceu o projeto de uma Constituinte. Vargas reorganizou a comissão que estudava nova Lei Maior para o Brasil, como também permitiu o surgimento de novos partidos. As eleições realizadas em maio de 1933, deram a vitória à Chapa Única por São Paulo Unido, composta por membros da Frente Única Paulista (FUP) que haviam permanecido no País e com forte maioria de representantes do Partido Republicano Paulista (PRP). Importante destacar que, em agosto de 1933, por fim São Paulo viu um civil, e paulista, no governo do estado. Armando de Sales Oliveira substituiu o gaúcho e agregado familiar de Vargas, general Valdomiro Lima. Em 1935, Armando Sales foi eleito governador constitucional de São Paulo pela Assembleia Constituinte Estadual.
Há quem, sem visão e fechando os olhos à real contribuição da Revolução Constitucionalista de 1932, ache estranho os paulista comemorarem, lembrarem com orgulho de uma derrota. Mas, como aqui relatado, tal derrota se constituiu, a rigor, em uma grande vitória que transcendeu os limites paulistas e alcançou todo o Brasil. A conquista da democracia, do estado de direito, das liberdades constitucionais.
A revolta paulista de 1932 nasceu da indignação, que somou todas as classes sociais, contra um golpe de Estado. Uma reação às atitudes ditatoriais do poder, tirando liberdade e impondo um regime de força. O passado, no presente, é referência para o futuro. Democracia é um direito de todos. Ainda não criaram um regime melhor do que a democracia, a história do Mundo nos comprova isso. Portanto, defender o respeito à Constituição, a independência dos poderes, a liberdade de imprensa e os direitos humanos é dever de todos os cidadãos. Este dia 9 de julho e o seu significado nos garantem tais valores.
Aproveite o feriado para relaxar, somos um povo pacífico, trabalhador e que não permite qualquer ataque aos seus direitos constitucionais. Não aceita flertes com o nazismo e outros regimes de força, e já mostrou esse inalienável compromisso várias vezes ao longo da História do Brasil.
*Ricardo Viveiros é jornalista, escritor e professor. Doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, foi diretor-geral do Museu Padre Anchieta (Pateo do Collegio) e tem vários livros publicados, entre os quais: “Justiça Seja Feita”, “A Vila que Descobriu o Brasil”, “Pelos Caminhos da Educação” e “O Poeta e o Passarinho”.
Fonte: o autor
(*) 92anos
Publicação Ambiente Legal, 09/07/2022
Edição: Ana Alves Alencar
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