“É preciso que tudo se modifique para que permaneça exatamente o mesmo”.
(Giuseppe Tomasi di Lampedusa, IL Gattopardo)
Um salto à esquerda para se manter à direita: refloresce a Ecologia
Nos anos que se seguiram, após a queda de Hitler, a ecologia enquanto ideologia e política buscou se auto-organizar, sem deixar de lado as premissas originais de seu radicalismo filosófico baseado: no panteísmo, no paganismo e no ruralismo; além de enfatizar as tecnologias arcaicas para agricultura e criticar a sociedade industrial, até dar a guinada à esquerda para permanecer exatamente no âmbito prático da direita, ou seja, para reivindicar o que havia de pior no capitalismo, isto é, a permanência da economia capitalista no paradigma da mais-valia absoluta, caracterizada pela travagem do desenvolvimento tecnológico e dos processos produtivos, além da defesa de políticas xenófobas e racistas.
Por isso, ao analisar o pós Segunda Guerra Mundial pode-se afirmar que o número de seguidores de Ernst Haeckel e Rudolf Stein fora da Alemanha devastada e dividida passou a aumentar significativamente. Naquele momento histórico, no mundo, passou a haver forte rejeição a tudo que era produzido na Alemanha nazi-fascista, o que, por sua vez, impossibilitou aos simpatizantes dos ideais de Haeckel assumir integralmente a herança ideológica nazista.
Apesar disso, os principais axiomas da ecologia de Haeckel seguiram intactos no pensamento dos novos ecologistas e, de forma concomitante nos conceitos da agricultura orgânica de Rudolf Stein.
Com a derrocada do nazismo, o movimento ecologista migrou para a Inglaterra, boa parte da Europa e Estados Unidos; seus militantes formaram uma rede poderosa de alternativos, sendo que a maior parte deles estava associada à organização denominada Soil Association.
Uma vez apoiada pelo partido conservador inglês, a militância na Soil Association se deu de forma discreta. Esse movimento de reconstrução da ecologia, na Inglaterra, foi inicialmente rural e orgânico. Sua atividade limitava-se à produção de pesquisas na área da pecuária e da agricultura orgânica. Também se preocupava em ampliar o quadro de simpatizantes.
Fundada no Reino Unido, em 1946, por um grupo de indivíduos que estavam muito cismáticos com as implicações da saúde de sistemas agrícolas cada vez mais intensivas após a Segunda Guerra, as pesquisas na Soil Association tiveram como foco: a perda do solo por erosão e esgotamento; a diminuição da qualidade dos nutrientes dos alimentos produzidos de forma intensiva; e os impactos de grandes sistemas de agricultura intensiva na vida rural e selvagem.
Além dos objetivos científicos essa organização ecológica levou à cabo a tarefa de aproximar os vários grupos de pessoas interessadas com o problema da poluição e da agricultura, baseada em fertilizantes não químicos. Seus associados se identificavam como ecologistas e através da Soil Association a maioria dos fazendeiros orgânicos era colocada em contato com outros fazendeiros, também orgânicos.
Durante os primeiros trinta anos a Soil Association teve como base uma fazenda tipo “sulffolk” (criação de ovelhas) que foi construída principalmente para a pesquisa básica, bem como, para o desenvolvimento de uma rede de associados.
Por volta dos anos 60 os líderes da Soil Association começaram a mudar o rumo do discurso ao levarem em conta a orientação esquerdista em seus debates sobre a escassez das riquezas naturais; também começaram a atacar publicamente a propriedade privada através da produção de vários artigos, nos quais elogiavam as comunas de Mao Tsé Tung e exigiam que as glebas fossem distribuídas à população. Vale apontar que se juntaram aos discursos de elogio aos modelos de capitalismos totalitários, outros movimentos ingleses considerados pagãos, dentre eles, o feminismo matriarcal e os movimentos anti-nucleares.
Alguns anos mais tarde entre o final dos anos 60 e início dos 70, em paralelo às atividades rurais e científicas da Soil Association foi gestado o movimento político e intelectual ecologista britânico que se concentrou inicialmente no periódico “The Ecologist”, jornal editado e financiado pelo irmão de Sir James Goldsmith, homem de negócios e arquimilionário.
Edward Goldsmith tinha tudo para ser o que não era – um próspero capitalista e um defensor da civilização industrial. Nascido em Paris (1928-2009) em berço de ouro – filho de pai inglês, rico deputado pelo Partido Conservador, e de mãe francesa, de boa família rural – pôde estudar em vários países e formar-se em Ciências Políticas, Filosofia e Economia pela prestigiosa Universidade de Oxford, na Inglaterra.
Teddy, como o chamavam os amigos, poderia ter sido igual a seu irmão Jimmy, ou melhor, Sir James Goldsmith, responsável pela construção de uma das maiores fortunas da Europa e proprietário da famosa revista semanal francesa “L’Express”.
A herança que Edward recebeu aos 38 anos permitiu-lhe viver tranquilamente desde, então, pôde viajar pelo mundo todo para cultivar seus dois grandes interesses: peregrinar pelas melhores bibliotecas e estudar as chamadas sociedades tradicionais, virtualmente intocadas pelo padrão ocidental.
Em suas andanças Edward acabou por apaixonar-se pelos ideais pregados pelo líder indiano Mahatma Gandhi (1869-1948), cujo pensamento viria inspirar, em 1972, um dos mais célebres livros dentre os doze que viria escrever o “Blueprint for Survival” (“Projeto para a Sobrevivência”) em co-autoria com Robert Precott Allen.
Vale ressaltar que o “Blueprint for Survival” foi traduzido em dezesseis idiomas, vendeu mais de 1 milhão de exemplares e se tornou uma das bíblias do movimento ecológico inglês.
Nesse livro Edward explicita a idéia de que o sistema (sociedade) pode ser transformado de forma a conciliar criação de riquezas, o bem-estar material e a preservação do planeta. Ali o referido autor afirma que se o homem não proceder à desaceleração do processo econômico, se não deixar abaixo o estilo de vida das sociedades urbanas, se não banir da face da terra a própria noção de desenvolvimento econômico e se não retomar as tradições postas à margem pela Revolução Industrial, estará com os dias contados. Para Edward o mundo que condena é simplificado, sem matizes.
Ainda, de acordo com Edward, a ciência é uma superstição que não melhora a vida humana. Sua construção ideológica se sustenta em bases duvidosas já que “o desenvolvimento econômico cria a pobreza”, desdobra-se em generalidades, pois “todos os países estão mais pobres do que eram anos atrás” e culmina em certezas insuscetíveis de verificação imediata “restando-nos apenas alguns decênios”, profecia que não se realizou.
Em 1974 Goldsmith visitou por quatro meses a Fundação Gandhi da Paz em Nova Deli, desde então, passou a comparar o movimento ecológico europeu com o movimento Sarvodaya de Gandhi. A palavra sarvodaya em sânscrito significa elevação universal ou progresso de todos.
O Sarvodaya enquanto movimento político teve por objetivo lutar pela dignidade do trabalho e pela distribuição equitativa da riqueza; seus seguidores acreditavam que esses ideais poderiam ser atingidos por meio da auto-suficiência comunitária.
O membros do Sarvodaya julgavam que a melhoria social de todos somente seria possível longe da visão de mundo dos paradigmas da esquerda e da direita, pois tinha como meta superar a dicotomia entre esquerda e direita. Não aceitavam a análise de classe marxista e nem acreditavam na idéia capitalista de que pessoas são guiadas, principalmente, pelo egoísmo econômico. Em síntese, procuravam uma política comunitária e descentralizada de pequena escala: essa era a proposta política que Mahatma Gandhi havia idealizado para a Índia independente, pós colônia e sem o jugo Inglês.
Entretanto, sob a liderança do Primeiro Ministro, Jawaharlel Nehru, o governo indiano passou a deixar de lado os ideais do Sarvodaya aderindo em seu lugar um estado centralizado, uma economia industrializada e um estilo de vida urbanizado.
Assim, apesar do fracasso do movimento Sarvodaya na Índia, a idéia de superação da dicotomia entre direita e esquerda; a economia de pequena escala com base na agricultura familiar; a volta ao ruralismo com tecnologias arcaicas das sociedades tradicionais oriunda do pensamento de Gandhi não deixaram de ser incorporadas por Edward Goldsmith ao movimento verde britânico, conceitos que também se integraram ao movimento ecológico da Nova Direita Francesa que se expandiu pela Europa através da política verde.
Desde Haeckel até Goebbels, os ecologistas aprenderam que a mídia e a propaganda são os canais fundamentais para a disseminação de idéias e a construção da ideologia de massas. Basta lembrar a Liga Monista de Haeckel e o seu papel preponderante na difusão cultural do pensamento ecologista do século XIX.
Com o mesmo empenho dos monistas, Edward fez soar as trombetas do novo ecologismo. Com a ajuda de seu irmão, o empresário de muitos negócios, mas também investidor midiático fundou a contundente revista bimestral “The Ecologist”, anteriormente comentado, que se tornou o maior guru do movimento verde inglês, além de porta voz do movimento ecológico europeu.
No ano de 1973, ao fundar o partido “People” (Partido Popular) mais tarde rebatizado de Partido Verde, Goldsmith trouxe à tona o primeiro partido de orientação integralmente ecológica europeu, baseado na plataforma política essencialmente reacionária, pois sua crítica ao capitalismo e à sociedade industrial não residia na exploração do trabalho, mas nas condições gerais de produção sintetizada na relação entre consumidores e a natureza, aspecto que informa que os ecologistas estavam se lixando para a exploração dos trabalhadores no interior das fábricas e empresas; afinal, o que importava era salvar a natureza do próprio homem, sendo que para isso se fazia necessário destruir o pensamento crítico marxista de que a sociedade capitalista está organizada por classes sociais com interesses políticos e econômicos antagônicos.
As críticas escatológicas à sociedade industrial e a denúncia dos perigos do avanço da Energia Nuclear atraíram milhares de militantes “socialistas” para o Partido Verde inglês, principalmente a militância desapontada com a desgenerência das experiências do “socialismo real” que culminou em totalitarismo.
Essa adesão ao ecologismo se deu em decorrência do refluxo das lutas sociais que promoveu a ascensão da ecologia como opção de luta política fora do domínio das vanguardas burocráticas dos partidos comunistas como resultado da crise do marxismo ocidental.
A agitação promovida pelo “The Ecologist” ao redor das catástrofes eminentes e a acusação de que o Banco Mundial estaria financiando a destruição do planeta tomaram grandes proporções à partir da mídia internacional, de modo a obrigar os gestores governamentais e empresariais a responderem aos ataques.
Nesse sentido, o “Clube de Roma” foi a primeira instituição de poder político a se preocupar com as denúncias. Fundado em 1968, pelo industrial italiano Aurélio Peccei e pelo cientista escocês Alexander King, teve e ainda tem como associados, eminentes chefes de governos de todo o mundo e poderosos empresários; a sua missão é discutir as questões políticas e econômicas que afligem o mundo.
Com esse propósito o “Clube de Roma” contratou, em 1972, o MIT (Massachusetts Institute of Technology) para elaborar uma pesquisa, com o objetivo de analisar os problemas cruciais para o futuro do desenvolvimento da humanidade, tais como, energia, população, saneamento, saúde, meio ambiente, tecnologia e decrescimento populacional. Para tanto, foi elaborado o relatório conhecido como “Os Limites do Crescimento” ou “Relatório Meadows” em homenagem à Dana Meadows, a cientista que, na época, coordenou a investigação.
O MIT utilizou como metodologia modelos matemáticos e chegou à conclusão de que o planeta não suportaria o crescimento populacional devido à pressão gerada sobre os recursos naturais e energéticos, bem como, ao aumento da poluição mesmo tendo em conta o avanço tecnológico. O Relatório foi publicado no mesmo ano do início da pesquisa e vendeu mais de 30 milhões em cópias, sendo traduzido em 30 idiomas.
No entanto, a análise e as projeções do cenário futuro apresentadas no livro se mostraram equivocadas, uma vez que, nenhuma das projeções, tanto nos aspectos do esgotamento dos recursos, quanto na evolução dos processos produtivos, não se confirmaram.
No final do mesmo ano, a ONU (Organização das Nações Unidas) organizou a primeira Conferência Mundial sobre “O Homem e o Meio Ambiente” criando assim, um cisma maior à confusão já existente.
Enquanto os gestores governamentais dos países desenvolvidos passaram a defender o chamado “Desenvolvimento Zero”, os gestores governamentais dos países do terceiro mundo começaram a apoiar de forma evidente o “Desenvolvimento a Qualquer Custo.” Esse impasse contínua até hoje sem uma resolução política na medida em que o “Desenvolvimento Zero” atinge desfavoravelmente a economia e as políticas sociais do terceiro mundo.
Depois desse evento, notadamente, começou a se desenvolver uma ecoburocracia que gradativamente buscou criar espaços institucionais internacionais impondo uma nova prática burocrática, com o fim de controlar mundialmente o debate relativo às políticas econômicas, aos recursos financeiros e à orientação das políticas públicas ambientais no mundo.
Agroecologia e ruralização: o Genocídio do Camboja
Em meados da década de 70, Edward Goldsmith e o seu Partido Verde apoiaram a terrível e mais desconcertante experiência comunista da história. Trata-se da ruralização do Camboja por meio da implantação do modelo agroecológico de Rudolf Stein pelo “Khmer Vermelho” (Partido Comunista do Kampuchea) à agricultura Cambojana.
Após a saída das tropas norte-americanas do país, em apenas uma semana, milhares de pessoas foram evacuadas das cidades para o campo e forçadas a trabalhar nas lavouras em situação de total degradação.
O experimento iniciado pelo “Khmer Vermelho”, em 1976, com a tomada do poder político no Camboja passou a ser considerado a experiência mais sanguinária de engenharia social promovida pelas ditaduras comunistas.
Até 1979, pelo menos 2 milhões de cambojanos foram expulsos das cidades, arrastados para o campo, confinados em campos de trabalhos forçados, lançados à pré-história, doutrinados, torturados e assassinados em nome da dignidade humana.
O “Khmer Vermelho” sob o comando do fascista Pol Pot em delírio psicopata resolveu aplicar o comunismo integral imediatamente, sem o longo período de transição que parecia fazer parte dos fundamentos da ortodoxia marxista-leninista e do “Projeto Volta à Terra” dos nacionais socialistas.
O pacote sinistro de políticas delirantes teve como principais medidas: abolir a moeda; completar a coletivização integral em menos de dois anos; suprimir as diferenças sociais pelo aniquilamento do conjunto das camadas proprietárias; intelectuais e comerciais. Pol Pot pretendia resolver os antagonismos entre campo e cidade pela supressão, em apenas uma semana, das cidades.
O resultado, em três anos de poder do “Khmer”, foi o genocídio que ceifou 2 milhões de vidas. A marca que o “Khmer Vermelho” deixou na história foi inteiramente feita de sangue.
Ainda, o mundo não conhece em profundidade o fenômeno “Khmer Vermelho”, não somente porque os seus dirigentes foram parcimoniosos em palavras e escritos, mas também porque os arquivos dos sucessivos mentores – vietnamitas e chineses – permanecem inacessíveis e a estranha “Democracia Popular” que sucedeu a terrível experiência genocida parece incutir na elite atual cambojana uma espécie de amnésia perante os acontecimentos de um passado não tão longínquo.
De qualquer modo, a farta bibliografia sobre o morticínio foi produzida por testemunhas que sobreviveram ao massacre e pelo brilhante trabalho da Universidade de Yale (EUA) que constituiu um fundo de pesquisa para a compreensão do “Genocídio do Camboja”.
As atrocidades do “Khmer Vermelho” também foram levadas às telas do cinema pelo cineasta inglês Roland Joffé, em 1984, com o título “The Killing Fields”. O filme foi baseado numa história real contada no texto “The death and the life of Dith Pran”, publicada no The New York Times em que mostra as privações e os horrores do modus operandis dos campos de concentração, para os quais a população foi levada depois da desocupação das cidades, durante a ruralização do Camboja e implantação da agroecologia na agricultura.
Depois de 1979 Goldsmith começou a se aproximar cada vez mais do movimento “Ecologia Profunda” – que hoje domina o cenário ambientalista europeu – decisão que o precipitou no mesmo campo político da Nouvelle Droite francesa, movimento político da Nova Direita de Alain Benoist. Assunto que será discutido no próximo artigo.
Imputar ao movimento ecológico as origens substantivas do capitalismo e seu desenvolvimento pós-guerra, e as barbaridades do comunismo do Khmer Vermelho, ocorrido no Ásia, é forçar a mão da história para absolutamente distorce-la. Pena, poderia ser mais proveitosa a discussão levantada.
Concordo com Miguel. Não reconhecer a importância da ideologia agroecológica é o mesmo que não aceitar a própria natureza. Afinal, como nascera? Nenhuma fábrica a fez. O problema de algumas pessoas que têm tantos títulos é esse: descuidar-se de sua origem e viver pelos títulos. A sabedoria da vida revela os mistérios da própria vida! A sabedoria acadêmica muitas vezes revela a morte. Vês o que aconteceu com a bomba de Hiroshima? Se continuarmos a comandar nossas economias como o capitalismo dita, como sobreviveremos em um planeta sem recursos para atender à nossa ganância?
Muitas teorias não deram certo e relatórios não se concretizaram, o mais concreto é ganancia consumista e o desrespeito a natureza.
Reclamam da falta de água e não preservam as nascentes;
Reclamam das enchentes urbanas e entopem as ruas de lixo;
Reclamam dos deslizamentos e invadem encostas;
Reclamam das enchentes e moram em áreas de risco; e assim por diante.