Se há uma boa notícia em todo o difícil cenário hídrico e energético atual, é a de que crises dão oportunidade de acelerar a mudança de hábitos. Gestores e cidadãos precisam aproveitá-la
Elder Dias
“Não há nada de mais útil que a água, mas ela quase nada pode comprar; dificilmente haveria bens pelos quais trocá-la. Um diamante, pelo contrário, quase não tem nenhum valor quanto a seu uso, mas se encontrará frequentemente uma grande quantidade de outros bens com os quais trocá-lo.” O princípio é de Adam Smith, definido em seu livro “Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”.
É bem verdade que o pensador escocês elaborou o chamado “paradoxo da água e do diamante” ainda no século 18, no início da Revolução Industrial. Ainda não se sabiam todas as aplicações (valor de uso) do diamante — na tecnologia eletrônica, em próteses ósseas, em monitores de LCD, para elaboração de ferramentas de corte, em células solares etc.
Tampouco Adam Smith conheceria o que três séculos e meio depois chamariam de “crise hídrica”, nem o humor árido que surgiu por causa dela. Em meio à escassez de água que ameaça o Sudeste, região mais rica e industrializada do País, o timing dos memes propaga nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp piadas e ironias com o líquido básico. A tag #SeAcabarAAguaNoBrasilEu fez sucesso no Twitter semana passada. O usuário @horancheiroso escreveu: “Antes disso, vou me prevenir e estocar muitaaaa (sic) água, pra quando acabar, eu vender, ficar rico e mudar de país.” Em uma montagem no WhatsApp, uma foto com os dizeres “Troco por casa na praia” mostrava, como oferta, pilhas de galões de água mineral.
A palavra “troca” vem a calhar. Ou melhor, valor de troca. Se atualmente existe tanta piada com um assunto tão sério — e essa é a forma cultural de o brasileiro lidar com as tragédias de seu cotidiano —, é bom então se lembrar de duas coisas. A primeira: se se fala tanto, é porque está realmente em pauta; a segunda é que, se se brinca tanto, é porque há um fundo de verdade. No país com maior quantidade de água potável no mundo, cresce o mercado do mineral.
Segundo o Portal G1, uma distribuidora de água de São Paulo, Rocha Branca, teve um aumento de 147% na procura por galões se comparados os meses de dezembro em 2013 e 2014. E nos últimos dias de janeiro, após a Sabesp — a empresa que distribui a água tratada no Estado — tratar um “rodízio severo” como possibilidade, a procura cresceu mais 20%. Graças à ingerência sobre a abundância, não é preciso mais estar em países de áreas desérticas para ficar de olho na água.
Energia
O mesmo princípio vale para a questão energética. O Brasil assentou as bases de sua matriz nas usinas hidrelétricas. O espírito incauto e perdulário das sucessivas gestões jamais imaginaria que um dia pudesse vir a faltar água para abastecer as turbinas dos imensos lagos formados. Esse mesmo espírito da gastança irresponsável não está restrito às administrações públicas Brasil afora. Ainda que o Estado brasileiro seja um dos maiores culpados pelo desperdício de água e energia elétrica, administrações têm em sua direção sujeitos que, um dia, foram consumidores comuns. Assim como as unidades de políticos corruptos saem de um conjunto chamado “eleitorado”, a má condução da política hidroenergética finca raízes em velhos hábitos. O problema-chave da crise hídrica está exatamente nisto: a combinação danosa entre vícios outrora benignos e as benesses da modernidade.
Quem tem mais de 30 anos vai contar nos dedos quantos eram os aparelhos ligados na tomada em suas casas no Brasil dos anos 80: o televisor, a geladeira, o som 3 x 1, o chuveiro, o ferro elétrico, o liquidificador e a enceradeira. Lavadora de louças ou de roupas, ou mesmo tanquinho elétrico era ainda artigo raro, de luxo. Eram raros também: videogame, videocassete (para o qual havia até consórcios), forno elétrico, micro-ondas, barbeador elétrico, entre outros.
Um cômodo que gasta como uma casa
Avance então de 1985 a 2015. A casa é a mesma, mas restrinja-se à inspeção da sala, esquecendo os outros ambientes. À frente, em uma extensão com três tomadas, estão ligados a TV de 40 e tantas polegadas e tela LED, o decodificador de TV por assinatura e o home theater; no canto da sala, em um benjamim (ou “T”), se conectam o modem de internet e o telefone, ambos sem fio (“wireless”); em uma terceira tomada, com duas entradas, estão plugados o notebook e o smartphone que precisa de duas cargas de bateria para se manter durante todo o dia. Sete tomadas ligadas ao mesmo tempo em um só ambiente. É mais do que havia em toda a casa décadas atrás.
A tecnologia proporcionou a multiplicação dos eletrônicos, mas não forneceu simultaneamente um acelerador dos bons costumes — ou costumes adequados aos novos tempos. Apoiando um pé no raciocínio malfadado de Malthus, o consumo aumentou em ritmo geométrico e a produção de energia e água, de forma aritmética. Agora, a fatura está começando a ser cobrada.
Se há uma boa notícia em tudo isso é que crises dão oportunidade de acelerar a mudança de hábitos. Gerencialmente, o Brasil pode investir em novas fontes de energia e em medidas para recuperar seu potencial hídrico, o que passa por abrir mão de outras metas estabelecidas, ou de priorizar meio ambiente em detrimento de itens do atual modelo de crescimento econômico-industrial.
Culturalmente, é hora de a cidadania avançar no que diz respeito ao uso racional dos recursos existentes. O fato de morar em um país continental talvez tenha deixado o brasileiro sem noção da finitude de suas riquezas naturais. E nessa enganosa dança da abundância já se foram a Caatinga, o Cerrado, a Mata Atlântica. A Amazônia, ainda que mais fortemente defendida, é a bola da vez.
“Ontem faltou água, anteontem faltou luz. Teve torcida gritando quando a luz voltou.” É um trecho meio nonsense, bobinho até, de uma música pouco lembrada da Legião Urbana (“Eu Era Um Lobisomem Juvenil”). Não dá para ficar fazendo festa por ainda ter aquilo que já foi o básico, que nunca tinha tido valor de troca, sem parar para refletir. O País só tem chance de sobreviver à crise se mudar a relação institucional e cultural com o consumo. Temos mais gente, mais engenhocas eletrônicas e mais lixo produzido a cada dia. É algo para o que se exige uma demanda terrível de água e energia. Não adiantará aumentar nesta última ponta se a outra também crescer.
E o paradoxo final não deixa de ser uma ironia: para que a água e a energia não subam seu valor de troca, é preciso investir para que se tornem abundante de novo. E investir, inclusive, em mudança de hábitos.
Para fazer o que deve ser feito
A questão hidroenergética é bem maior do que um problema das casas dos brasileiros. Mas reduzir o consumo é mais do que cortar na própria carne: é uma medida que leva ao descarte de hábitos arraigados que não fazem mais sentidos no atual contexto. Abaixo, contribuições para refletir sobre como mudar e se adequar aos novos tempos.
30 DICAS PARA REDUZIR O CONSUMO DE ÁGUA
1. Conversar com a família sobre a atual situação do País e do mundo e a necessidade de redução do consumo de água.
2. Fazer um planejamento para obter, de fato, o menor consumo.
3. Conferir a conta de água e estabelecer meta para o mês seguinte, visando uma redução comparada ao mês anterior ou, pelo menos, ao mesmo período do ano anterior.
4. Conectar a lavadora a um recipiente para armazenar a água usada, para posterior reuso.
5. Na hora de lavar louças, abrir a torneira apenas para enxaguá-las.
6. Reduzir o tempo do banho.
7. Escovar os dentes com a torneira da pia fechada.
8. Instalar captadores de água da chuva.
9. Reformar a casa para abrir espaço à penetração da água (permeabilização) nas áreas abertas, trocando cerâmica/cimento por grama.
10. Usar material permeável no calçamento do passeio público (calçadas), como o concregrama.
11. Verificar sempre se o hidrômetro está se movimentando mesmo com torneiras e registros (se ocorrer, é sinal de vazamento).
12. Barbear-se com o cuidado de só abrir a torneira para o enxague.
13. Reduzir o número de lavagens do carro.
14. Restringir o consumo de produtos industrializados: quanto mais processado é um item, mais água teve de ser investida em sua elaboração.
15. Plantar pelo menos uma árvore nativa da região para cada membro da família por ano, como medida compensatória.
16. Fechar bem as torneiras. Uma delas pingando continuamente pode desperdiçar até 46 litros por dia.
17. Limpar chão, quintal e calçadas com baldes e não com mangueira.
18. Com roupa suja, esperar sempre juntar um montante ideal (“trouxa”), evitando lavagens avulsas.
19. Não deixar a caixa d’água transbordar, mantendo-a sempre tampada.
20. Ficar atento a qualquer mancha de umidade nas paredes da casa.
21. Verificar as válvulas de descarga: com defeito, resultam sempre em alto desperdício de água.
22. Ao usar o banheiro, aperte a válvula de descarga apenas uma vez.
23. Para tomar banho, abra a torneira, se molhe, feche a torneira, se ensaboe e depois abra para enxaguar. Ficar com a ducha fechada dessa forma reduz o consumo em até quatro vezes.
24. Dar preferência ao vaso sanitário econômico (com uma espécie de caixa d’água acoplada). Ele consome a metade do convencional.
25. Jamais usar a mangueira como vassoura de calçadas.
26. Trocar torneiras antigas por versões modernas, mais econômicas.
27. Em condomínios, propor a separação de hidrômetros por unidade habitacional. A experiência diz que, dessa forma, o consumo sempre cai.
28. Pesquisar sobre novas formas de tecnologia que ajudem a otimizar o uso da água.
20 DICAS PARA REDUZIR O CONSUMO DE ENERGIA
1. Fazer uma avaliação do que realmente pode ser economizado com energia elétrica em sua casa ou escritório.
2. Estabelecer, para cada membro da família, uma meta de redução de consumo de energia, de acordo com os hábitos individuais.
3. Usar o item “consumo de energia” como critério na hora de escolher produtos novos.
4. Trocar os eletrodomésticos – principalmente geladeiras – por modelos mais econômicos em termos de consumo.
5. Eliminar o costume do uso do ar-condicionado, ligando-o realmente quando o calor estiver prejudicando o bem-estar.
6. Desligar na tomada os aparelhos que ficam em “stand-by” (com as luzes LED acionadas).
7. Trocar lâmpadas incandescentes por lâmpadas fluorescentes.
8. Desligar luzes imediatamente ao sair de cada cômodo.
9. Se tiver o hábito de dormir com a TV ligada, sempre acionar a função “sleep”.
10. Reduzir o tempo do banho — o chuveiro é um dos maiores gastadores de energia em uma casa.
11. Tomar banho com o chuveiro desligado em dias de calor ou, no máximo, usar o modo verão (morno).
12. Desplugar da tomada o carregador do celular após retirar o aparelho do conector.
13. Esperar acumular bastante roupa para usar tanto a máquina de lavar como o ferro elétrico. Ambos consomem muita energia.
14. Pintar paredes com cores mais claras. Isso evita que as luzes sejam acionadas mais vezes ou mais cedo.
15. Usar soluções não eletrônicas para resolver os mesmos problemas. Exemplo: em dias secos, optar por panos umedecidos em vez de umidificadores de ar.
16. Instalar sistema de aproveitamento da luz solar para aquecimento da água a ser usada nos banhos.
17. Rever o sistema elétrico e potenciais pontos de perda de energia.
18. Ao elaborar o projeto de construção ou reforma de um imóvel, pedir ao arquiteto e ao engenheiro especial atenção a medidas que possam economizar energia.
19. Ao viajar, desligar a chave geral da casa.
20. Repassar a parentes e amigos as boas experiências com a economia de energia.
Fonte: Jornal Opção
Elder Dias é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás e editor-chefe do Jornal Opção.
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