Chuva e apagão são eventos conexos – quando o segundo efeito é prolongado, o problema é da gestão
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
São Paulo não é uma cidade qualquer. É a quarta população concentrada numa cidade, inserida na quarta região metropolitana no planeta. O que aqui se faz, reverbera para além do continente.
Deixou de ser patético, é de fato trágico
Mais uma vez, a população de São Paulo (e de vários outros municípios paulistas), ficou à mercê do desmazelo governamental com a prevenção, contingência e mobilização para atendimento às emergências, face à evento climático previsível e de fato previsto: o abatimento de um tornado extratropical por conta da massa de ar de núcleo frio, que gera fortes chuvas e ventos intensos, e se abate com frequência cada vez maior sobre a região sul e sudeste do Brasil.
Milhões sem luz, fios cortados e árvores caídas por falta de poda preventiva, abastecimento de água comprometido, serviços públicos desprovidos de meio alternativo de energia para funcionar – enfim, o caos, que se estende por vários dias.
No entanto, a opção pela zona de conforto do proselitismo climatista barato, somada à troca de acusações entre governos e concessionários de serviços públicos (o que , de fato, para o cidadão, é a mesma coisa), parece ser “consenso” entre os fracos dirigentes que hoje ocupam, com raras exceções, o horizonte público no Brasil.
O fato é que precisamos mudar com urgência nosso eixo de gestão.
Desmazelo que não pode ficar sem nota
Já me referi a esse fato e fiz a devida crítica ao desgoverno o suficiente para não repetí-lo aqui. Remeto o paciente leitor a artigos meus, anteriores, que tratei de indicar nas notas apostas ao final deste texto.
No entanto, preciso deixar claro meu absoluto inconformismo com a atitude de “empurrar o problema”, por parte de administrações diretas que deveriam, desde sempre, providenciar poda preventiva de árvores, manter equipes de plantão para atender casos de emergência – que ocorrem diariamente, estruturar nas subprefeituras grupos de funcionários, meios materiais, orçamento compatível e controle, para descentralizar o serviço, incluso eventuais descentralizações e integrar os serviços de reparos concessionados a um sistema articulado de defesa civil – algo melhor que construir um muro burocrático entre serviços afins.
Claro que quem ganha com o caos são os contratados para serviços isolados, em escala emergencial – incluso o inacreditável sistema de contratar seriço “por árvore podada” ou suprimida – fato que impede, por exemplo, que a fiação de uma rua fique livre com a poda em linha de vários espécimes arbóreos, porque a equipe contratada tem que cumprir o contrato com uma árvore, por vez…
Como se vê, não é caso mais de governança – é de fiscalização sobre a governança. A gestão climática não se confunde com o uso ocasional de jaquetinhas da defesa civil em palanques plenos de discursos naturebas. Ela deve ter olhos postos na realidade local e na soberania nacional – razão de ser da governança de Estado.
Descentralização, tecnologia e infraestrutura
Voltando ao objeto deste artigo. Devemos superar o proselitismo climatista e, de fato, reforçar nossa busca por resiliência e adaptação a partir das gestões locais, observando o microclima e a segurança da população.
Vamos, definitivamente, priorizar a inovação real da tecnologia para ampliar nossa resiliência e adaptabilidade… e parar de utilizar o discurso climatista como meio de indução do pânico e geração de censuras com viés ideológico.
A governança local é o caminho. Deve se conectar em rede com os atores interessados em escala regional, respeitando as bacias aéreas e correntes atmosféricas que condicionam os regimes de chuva e estiagem, as zonas de pressão afetas às massas de umidade e calor, a geomorfologia do planeta, os biomas e as bacias hidrográficas, zonas costeiras e corredores ecológicos.
As ações de prevenção, defesa civil, saneamento e controle territorial necessitam de governança integrada, sempre atenta ao vetor climático – uma sala de situação em contínuo funcionamento, algo absolutamente ignorado no Brasil.
O que fazer
Para desenvolver um sistema eficiente de atendimento à rede elétrica em uma cidade atingida por um evento extremo de chuvas, tempestades e tornados, é fundamental seguir algumas etapas:
1- Mapear a infraestrutura elétrica para identificar áreas críticas.
2- Estabelecer centros de comando para coordenação das equipes de resposta.
3- Utilizar tecnologias de comunicação, como aplicativos e redes sociais, para informar a população sobre cortes de energia e previsões de restauração.
4- Realizar treinamentos regulares com as equipes de manutenção para rápida mobilização.
5- Articular salas de situação e centros de controle em parceria com empresas de energia vizinhas – fato que poderá agilizar recursos e equipamentos, garantindo um retorno mais rápido ao normal.
O contingenciamento de material e pessoal é, por sua vez, crucial para um atendimento eficaz após um evento climático extremo.
Para tanto é necessário:
1- Realizar um inventário dos materiais essenciais, como veículos, cabos, transformadores, e ferramentas, garantindo que haja estoque suficiente.
2- Elaborar e implementar um plano de logística para distribuição rápida desses materiais nas áreas afetadas.
3- Manter uma equipe de emergência treinada e em prontidão, além de formular parcerias com profissionais de outras regiões para apoio adicional – incluso para contratação de terceiros na ocasião da emergência.
4- Escalonar turnos e garantir descanso adequado à equipe – algo vital para manutenção do rendimento.
5- Realizar treinamentos e simulações periódicas, para garantir que todos estejam preparados para uma resposta rápida e eficiente.
Afora essas medidas, outras de ordem estrutural – de ordem jurídica e de engenharia, necessitam ser priorizadas em uma administração digna de honrar esse nome.
São elas:
1- Obras de contenção de enchentes, barragens e sistemas de controle de vazão, que devem ser planejados e implementadas, partindo da constatação que várias áreas ocupadas sofrem e sofrerão com inundações. Por óbvio que isso implica em desobstrução e manutenção do escoamento pluvial e da drenagem urbana.
2- Ações de proteção do sistema de distribuição de energia – com um programa integrado de arborização e podas para manutenção da segurança das fiações, implementação das obras de aterramento das redes e sua proteção contra infiltração, distribuição de estações de energia e alocação de geradores em panificadoras, mercados, frigoríficos, escolas, ginásios de esporte, postos de saúde e administração. 3- Estruturas articuladas de governança climáticapara adequar os regimes fundiários, que afetam a população inserida no microclima. De fato, a regularização fundiária confere cidadania, transforma ocupações assimétricas em bairros – permite a correta urbanização, o saneamento, a introdução de aparelhos do estado e o controle soberano do território.
4- Gerar estruturas urbanas resilientes, sistemas de economia local sustentáveis, reconhecer centralidades urbanas que reduzam perda de tempo e energia do cidadão em longos deslocamentos.
5- Fazer uso da engenharia para implantar o saneamento e conferir segurança hídrica.
6- Organizar a economia circular, incentivada e regulada, gerando emprego e renda.
Priorizar a tecnologia implica na organização de governança que privilegie o planejamento, monitoramento, prevenção, contingência e atendimento à emergências – envolvendo uso de satélites, radares, bóias sinalizadoras, comunicação ágil e mobilização de equipes de meteorologistas, físicos, geólogos e engenheiros integrados à Gestão Pública.
O exemplo de São Paulo sob nossa gestão
O que acima está escrito, é o que procuramos implantar de fato: uma governança de primeiro mundo, nos moldes acima postos, no Município de São Paulo. Foi nosso propósito desde quando instituída a Secretaria Executiva de clima no gabinete do Prefeito, para a qual fomos os primeiros nomeados, incumbidos de tirar a gestão climática do papel, estruturá-la e gerí-la.
Em dois anos de gestão climática pioneira, integrada no município, organizamos do zero a Secretaria Executiva nos moldes de uma Agência do Clima – enfrentando toda espécie de entraves burocráticos, ciumeira de áulicos, embates com proselitistas e resistências políticas. Implementamos, no entanto, um Plano Climático preexistente, extremamente prolixo e ambicioso. Fizemos isso adotando relatórios e métricas, publicados regularmente.
Pessoalmente, paguei alto preço por ferir interesses políticos. Mas, na minha gestão, evitamos danos em larga escala.
A secretaria hoje segue em boas mãos – sob o comando do amigo e magistrado Renato Nalini, mostrando que é possível agir para melhorar a resiliência e promover a adaptação, sem fazer proselitismo.
O problema é que a Prefeitura, no período de transição, reduziu sensivelmente as atribuições da própria secretaria, diluindo a governança climática por interesses outros… e o resultado, desde 2023, está expresso nos apagões ocorridos desde então.
A gestão climática, portanto, não deve se prestar a servir de palco para proselitismo e discursos fáceis. Deve se envolver efetivamente na gestão territorial estruturante, atraindo para si as medidas de monitoramento, prevenção, contingência e emergência.
Mais ainda, é preciso sobretudo adquirir HUMILDADE no trato de fenômenos climáticos, sobre os quais não temos o condão de controlar ou evitar e, sim, prever e prevenir.
Notas:PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, “O Grande Desastre Climático é a Incompetência – Refém do Proselitismo”, in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2024/05/o-grande-desastre-climatico-e.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, – “Apagões na Terra, Eletromagnetismo e o Sol”, in Blog “The Eagle View”, http://www.theeagleview.com.br/2023/08/apagoes-na-terra-eletromagnetismo-e-o.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, “O Clima Pela Base”, in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2023/03/o-clima-pela-base.html
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor institucional e ambiental. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados, é diretor da AICA – Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental. Integrou o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, foi professor da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, docente do NISAM – Núcleo de Informações e Saúde Ambiental da USP e Consultor do PNUD e do UNICRI – Interregional Crime Research Institute, das Nações Unidas. Possui vários trabalhos e consultorias publicados para o Banco Mundial, IFC e outros organismos multilaterais. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, é Conselheiro no Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Iniciativa DEX, preside a tradicional entidade UNIÁGUA – Universidade da Água. Foi Secretário do Verde e Meio Ambiente (Gestão Régis de Oliveira) e primeiro Secretário Executivo de Mudanças Climáticas (Gestão Ricardo Nunes), da Cidade de São Paulo. Fundou e Presidiu a Comissão de Meio Ambiente da OAB SP, sendo declarado membro emérito pelo Conselho Seccional. Coordenou o Grupo Técnico organizado para elaborar o texto substitutivo do PL da Política Nacional de Mudanças Climáticas, na Relatoria do Deputado Federal Mendes Thame – apresentado, aprovado e sancionado em 2009. Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 14/10/2024
Edição: Ana Alves Alencar
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