Por Hamilton J. Targa
Em 1995, o Intergovernamental Panel on Climate Changes (IPCC) trouxe ao conhecimento da comunidade científica um importante conjunto de dados, que evidenciam aumento significativo na concentração de determinados gases (Gás Carbônico/CO2, Metano/CH4, Óxidos Nitrosos/NOx e Clorofluorcarbono/CFC), na composição da atmosfera terrestre. Mais importante, entretanto, foi a correlação entre os aumentos observados e o crescimento das atividades antrópicas na crosta terrestre.
Assim o gás carbônico, cuja concentração na era pré-industrial se aproximava de 225 ppmv – partes por milhão em volume, já atingia, na ocasião do relatório, concentração ao redor de 365 ppmv. O mesmo foi observado com relação ao gás metano, cuja concentração na atmosfera – 0,8 ppmv na era pré-industrial – dobrou nos últimos dois séculos, atingindo 1,8 ppmv.
No caso do metano, o aumento observado foi atribuído às emissões relacionadas com o crescimento de algumas atividades humanas (aterros sanitários/lixões, agropecuária, plantio de arroz em áreas alagadas, queima de biomassa, produção de gás e carvão, resíduos animais, esgotos sanitários, etc.).
A importância dessas observações reside na capacidade dos referidos gases (CO2, CH4, NOx e CFC) em absorver o calor refletido ou gerado, derivado das radiações solares na superfície terrestre. Como esses gases estão concentrados na região da atmosfera mais próxima da superfície terrestre (troposfera), ocorre então um aumento na temperatura desta região e também na crosta terrestre. O aprisionamento do calor por esses gases atua de modo semelhante a um cobertor protegendo a superfície terrestre contra o resfriamento excessivo, da mesma forma que pode, ocorrendo aumento na concentração dos gases, provocar a elevação da temperatura na superfície terrestre.
Devido a essas características, os gases CO2, CH4, NOx e CFC passaram a ser conhecidos como gases de efeito estufa (GEE), tendo como conseqüência o aquecimento global ou as mudanças climáticas.
É importante observar que, até recentemente, nos estudos relacionados com o aquecimento global e seus efeitos na crosta terrestre e nos seres vivos, nenhuma referência era feita com relação à emissão de metano por florestas naturais ou áreas de reflorestamento, isto é, por processos aeróbios (presença de oxigênio). Em todos os casos, a emissão de metano sempre esteve relacionada com processos anaeróbios, ou seja, decorrentes da ausência de oxigênio.
Recentemente, a revista Nature (volume 439, páginas 187 a 191, edição de 12 de janeiro de 2006), publicou o artigo de F. Keppler, J.T.G. Hamilton, M. Brass & T. Röckmann; intitulado “Methane emmisions from terrestrial plant and aerobic conditions”, no qual, pela primeira vez, é mostrado que plantas em cultivo sob condições aeróbias emitem concentrações significantes de gás metano. Mais: que a emissão de metano por plantas em cultivo ou por folhas isoladas cresce quando os vegetais são expostos à luz solar ou à medida que ocorre um aumento de 10°C na temperatura das câmaras de cultura (intervalo experimental de 30 a 70° C). Por si só, esses detalhes inviabilizam, claramente, a possibilidade de geração de metano somente a partir de sistema anaeróbio, além de projetar a emissão desse gás às florestas nativas ou àquelas resultantes de projetos de reflorestamento.
Para os autores da descoberta, em condições normais de temperatura e de concentração de gases de efeito estufa, a emissão de metano pelas plantas não alteraria o equilíbrio e a temperatura terrestre por se tratar de um fenômeno natural que teria, inclusive, contribuído para o desenvolvimento das populações primitivas de animais ou vegetais. Ainda segundo Kepler et al, a emissão de CH4 em áreas de reflorestamento poderia ocasionar uma redução de 1% – 4% nos benefícios decorrentes dos programas de reflorestamento e sua relação com o sequestro de carbono existente na atmosfera terrestre.
Logo após a publicação dos resultados dessa pesquisa surgiram nas revistas científicas questões tais como qual a contribuição dessa nova fonte de gás metano para o aquecimento global. Essa questão se relaciona principalmente com a preservação de florestas nativas e os projetos de reflorestamento, devido à ligação com o Protocolo de Kyoto, a redução de emissões pelos países industrializados e a estimativa de créditos de carbono nos projetos de reflorestamento.
Nas condições da pesquisa mencionada, a emissão de metano por plantas em áreas de reflorestamento não pode ser considerada como totalmente competitiva com o papel que se atribui a tais florestas como sorvedouro de CO2 e, portanto, no controle do aquecimento global. Contudo, é bastante atual a colocação feita por David Lowe, do National Institute of Water and Atmospheric Research, Wellington, Nova Zelândia: “Se você planta árvores para tentar remover dióxido de carbono, CO2, da atmosfera, mas ao mesmo tempo as árvores estão produzindo metano, então os órgãos oficiais deverão conhecer o nível líquido de emissão de gás metano e também a capacidade de captura de CO2 pela floresta”.
Daqui para a frente, decisões somente poderão ser tomadas após o cálculo da emissão liquida de metano pelas árvores e desde que também seja melhor conhecido o mecanismo atuante na geração desse gás metano nos vegetais e se tal mecanismo ocorre também em outros sistemas biológicos. A obtenção dessas informações e sua análise de uma forma holística é que nos permitirá estabelecer diretrizes mais realistas sobre o problema do aquecimento global.
Hamilton J. Targa é biólogo. Foi professor titular da Área de Genética do Departamento de Biologia do Instituto de Biociências da USP e coordenador do projeto de cooperação bilateral Brasil-Alemanha “Efeitos da Poluição Atmosférica na Vegetação dos Trópicos. A Serra do Mar: Cubatão como um exemplo”. Exerceu o cargo de gerente da Assessoria de Planejamento Estratégico da CETESB.