Por João Leonardo Mele
Os ciclos agrícolas, particularmente o do café, dizimaram expressivas áreas de Mata Atlântica no Estado de São Paulo. No século XVII, a estimativa de cobertura do território era de 81%, o que correspondia a mais de 20 milhões de hectares. No final do século XIX, a vegetação nativa cedia espaço para os cafezais na proporção de 72 mil hectares/ano e, no período de 1918 a 1924, o plantio de 121 milhões de cafeeiros produziu desmatamentos de 310.000 hectares/ano. Em meados do século XX, o território paulista possuía apenas 18% de remanescentes naturais e a sombria estimativa era que se chegaria ao ano 2000 com apenas 3% do precioso bioma.
O inventário Florestal São Paulo, publicado em 2005, felizmente demonstrou que os remanescentes florestais se estabilizaram em 13,43% e passaram, em 2001, para 13,94%, ou seja, ocorreu a recuperação de uma área correspondente a 126.561 hectares.
Vários fatores contribuíram para esse resultado, destacando-se a mudança de legislação, adoção de políticas públicas de prevenção, controle, licenciamento e outras. Porém, esse artigo se concentrará nas atividades de Polícia Preventiva-Ostensiva, desenvolvida pelo Policiamento Ambiental.
É conveniente esclarecer que o Policiamento Ambiental constitui um contingente especializado da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que teve sua origem em 1949. Atualmente, com mais de 2000 policiais, caracteriza-se como um dos mais importantes contingentes de salvaguarda ambiental, particularmente do meio ambiente natural e sua biodiversidade.
Essa atividade tem sustentação legal em várias legislações, destacando-se o parágrafo único do art. 195 da Constituição Estadual, que atribui competência para prevenir e reprimir delitos praticados contra o meio ambiente.
Não se pode perder de vista, entretanto, que desde a edição do Decreto-Lei n. 667, de 1969, e sua regulamentação, as Polícias Militares do Brasil têm a atribuição de executar o policiamento preventivo-ostensivo no território dos Estados e uma das modalidades desse policiamento é o de Florestas e Mananciais. Registre-se ainda que essas frações especializadas passaram a integrar o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), com o advento da Lei da Política Nacional de Meio Ambiente, promulgada em 1981.
Recepcionadas pela Constituição Federal de 1988, referidas estruturas legais reforçaram o poder x dever de intervenção protecionista das Polícias Militares nos crimes e contravenções, bem como suas frações especializadas na responsabilização administrativa, com a lavratura de multas, apreensão de materiais, interdição de atividades e demais medidas.
Em São Paulo, ao longo de décadas, o Policiamento Ambiental desenvolveu metodologias próprias de trabalho, buscando sempre exercer a missão precípua da prevenção. A contabilização da atividade limitou-se, ao longo dos anos, em relacionar os autos de infração lavrados, que, na realidade, registravam infrações ambientais consumadas. A tecnologia permitiu que todas as ações, tanto de prevenção, quanto de repressão, fossem objeto de registro e controle. Uma pesquisa sobre essas estatísticas, como veremos adiante, revela dados surpreendentes quando confrontados com o crescimento da recuperação da vegetação nativa.
Há que se notar que, na execução de um trabalho, a instituição produz registros como autos de infração ambiental, boletins de ocorrência e outros instrumentos decorrentes do patrulhamento ostensivo-preventivo de proteção ambiental. A Tabela 1 apresenta informações relativas ao período de 2000 a 2005, com o registro dos atendimentos gerais (intervenções) por meio de Boletins de Ocorrência da Polícia Ambiental (BOPAmb) e ações que se transformaram em medidas de caráter repressivo-administrativo, resultando em Autos de Infração Ambiental – AIA.
Analisando a Tabela 1, verifica-se, com facilidade, que as intervenções do policiamento ambiental em São Paulo são, em sua grande maioria, ações que não redundam em medidas de responsabilização administrativa e, sim, de caráter preventivo e monitoramento.
Constata-se uma média superior a 80.000 intervenções, enquanto a porcentagem das que se transformam em autos de infração ambiental, no período de 2000 a 2002, foram em média de 20%. No período de 2003 a 2005, caíram ainda mais, ficando na marca dos 15 %.
Em razão de se dar ênfase no Estado à Mata Atlântica e à biodiversidade, nela incluída a fauna, serão demonstradas nas tabelas abaixo dados sobre intervenção e autuações administrativas relativas à flora e à caça.
Analisando a Tabela 2, constata-se um aumento nas intervenções relativas à vegetação nativa durante o período, porém, a porcentagem das mesmas que se transforma em auto de infração decresceu significativamente, ano após ano, apresentando cerca de 15% de diminuição das autuações no período estudado. Cabe considerar que não se apresentou diminuição da atividade fiscalizadora, conforme se verifica na coluna de intervenções de flora.
Finalmente, a Tabela 3, relativa às intervenções sobre a fauna silvestre, não perde de vista a íntima relação desta com a vegetação nativa. Particularmente o Estado de São Paulo tem sua maior abrangência na Mata Atlântica, até mesmo porque as áreas de Cerrado foram intensamente ocupadas pela agricultura e a pecuária, sendo seus remanescentes bastante reduzidos.
A análise da Tabela 3 apresenta a mesma tendência das anteriores, mostrando que as intervenções da fiscalização preventiva-ostensiva crescem e, inversamente, decrescem as autuações administrativas.
O estudo conjunto dos dados constantes nas tabelas procurou evidenciar a relação existente, nos últimos anos, entre atividades de prevenção e atividades de repressão administrativa. Não se particularizou o desdobramento para a área penal, mesmo porque, quando se verifica o crime, a fiscalização não deixa de também elaborar o auto de infração ambiental correspondente.
Conclui-se, portanto, que o Policiamento Ambiental da Polícia Militar do Estado de São Paulo é imprescindível para que, de forma preventiva e em conjunto com os demais órgãos públicos e em parceria com toda sociedade, se fortaleça como instrumento eficaz de salvaguarda da Ordem Ambiental, sem a qual não se efetiva a vida com qualidade e a própria dignidade humana.
João Leonardo Mele é coronel da reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Comandou, entre 2002 a 2005, o Policiamento Ambiental paulista. É professor universitário e autor do livro recém-lançado “A Proteção do Meio Ambiente Natural”, cuja impressão foi patrocinada pela Petrobras. Cursa Mestrado em Direito Ambiental na Universidade Católica de Santos (SP).