Táticas de curto prazo ainda se sobrepõem a estratégias de longo prazo
Por Rafael Ceia Guerrero*
Para Sun Tzu, general, estrategista e filósofo chinês, “estratégia sem tática é o caminho mais lento para a vitória, tática sem estratégia é o ruído antes da derrota”. Acertar a medida entre as duas ferramentas da construção de futuros, de desenvolvimento sustentável e de desenvolvimento sustentado, sempre foi tarefa difícil diante das flutuações de curto e médio prazo dos mercados globais. O mercado financeiro não está livre dessa realidade e sofre desequilíbrios que, a cada fato novo, abrem oportunidades para novas formas de lucro e prejuízo, novos produtos e serviços, novas táticas para obtenção de um retorno maior e mais rápido na alocação do capital.
A natureza do mercado descrito é uma ode à criação e adaptação de táticas, sempre atentas a mudanças de última hora, que é altamente potencializada pelo estágio atual da comunicação global e da conexão entre os mercados financeiros. Nesse contexto, é importante notar que essas táticas podem resultar em vitórias no curto prazo, mas, caso elas não estejam alinhadas a uma estratégia de longo prazo, nos conduzirão a derrota certa.
“Na agenda climática, esse desalinhamento entre táticas de curto prazo e estratégia de longo prazo é ainda mais proeminente.”
Talvez seja por um motivo temporal, visto que as táticas utilizadas para realizar investimentos são mais antigas que a estratégia de adaptação e mitigação dos efeitos da mudança do clima, desencorajando inovação ou mudança, mas sabemos que o setor financeiro pode ser um dos mais inovativos.
Em 2022 tivemos um exemplo paradigmático do descompasso entre táticas e estratégias. Nesse ano houve um investimento massivo em combustíveis fósseis diante da disparada dos preços do petróleo, uma commodity (tática), derivada da guerra entre Rússia e Ucrânia. Tais investimentos partiram também de instituições com compromissos Net-Zero, ou seja, estratégias de longo prazo.
Caso o processo de aquecimento global alcance as máximas projetadas pela Climate Action Tracker de até 2,9ºC em 2100, os impactos negativos sobre o retorno e a viabilidade dos investimentos serão altíssimos, tornando ganhos obtidos com táticas de curto prazo irrelevantes, e demonstrando o efeito da falta de estratégias de adaptação e mitigação dos efeitos da mudança no clima nos negócios. Segundo estudo da AON, avaliando somente catástrofes naturais globalmente, ou seja, a materialização de riscos climáticos físicos, houve perdas econômicas em torno de US$ 313 bilhões somente em 2022. No contexto nacional, a INMET, em sua publicação “Danos sociais e econômicos decorrentes de desastres naturais em consequência de fenômenos meteorológicos no Brasil” destaca que entre 2010 e 2019 tais fenômenos causaram 168,4 bilhões de reais em prejuízo.
O estabelecimento de uma estratégia é essencial para avaliar como as instituições financeiras serão afetadas por riscos climáticos, físicos e de transição. Uma forma de realizar essa avaliação é por meio dos chamados testes de estresse climático, que são um instrumento que engloba várias técnicas para avaliar a resistência de instituições financeiras a eventos extremos de origem climática. Os testes são ferramentas potentes que, se conduzidas adequadamente, podem gerar insumos para alinhar as táticas de curto prazo das instituições financeiras a aspectos de longo prazo.
No Brasil, testes de estresse climático ainda são incipientes e o Banco Central do Brasil (BCB), que faz parte da Networking for Greening the Financial System (NGFS) – iniciativa que reúne bancos centrais de diversos países com objetivo de fomentar a integração de fatores climáticos a análise de risco e a regulação prudencial, tem desenvolvido seu teste de estresse climático e estimulado as instituições financeiras sob sua supervisão a fazer o mesmo, mas ainda em caráter experimental, buscando aperfeiçoar sua metodologia e gerar mais dados sobre a exposição do Sistema Financeiro Nacional.
Um dos pressupostos para se realizar um teste de estresse é a escolha entre um balanço dinâmico ou estático. A escolha pelo balanço dinâmico permite que durante o período analisado pelo teste a instituição financeira preveja mudanças em seus ativos, ou seja, a integração da estratégia de transição desenvolvida pela instituição ao teste. Na escolha pelo balanço estático, o balanço da instituição em uma determinada data, sem possibilidade de mudança nos ativos durante o período, será avaliado. A escolha pelo balanço dinâmico possibilita que a instituição demonstre que seu risco pode ser alto agora, mas seguirá, ou não, uma trajetória de redução.
Esse pressuposto pode fazer com que os testes de estresse mascarem o alinhamento de instituições financeiras a estratégias climáticas, assim como o risco ao qual elas estarão expostas no longo prazo. A escolha por balanços dinâmicos — feita pelo Banco Central Europeu e pelo Banco da França em seus testes de estresse climático — pode ser considerada “simpática” pelas instituições financeiras, visto que as estratégias podem ser interrompidas, alteradas ou pouco confiáveis. Para suavizar esse efeito, nos testes desenvolvidos pelos dois bancos centrais citados são realizados testes com os dois pressupostos, estático e dinâmico, para curto e longo prazo, respectivamente.
Sun Tzu destaca em sua obra “A arte da Guerra”: “quando cercar o inimigo, deixe uma saída para ele. Caso contrário, ele lutará até a morte”. Uma saída para instituições financeiras alinharem sua tática à estratégia é submeterem metas alinhadas à Science Based Targets Initiative (SBTi). A SBTi avalia metas ligadas a estratégias de redução de emissões alinhadas com o Acordo de Paris e mostra como dar credibilidade a compromissos de empresas em diversos setores, dando fôlego ao setor privado para propor soluções por si. Entretanto, apesar de instituições financeiras nacionais de grande porte divulgarem que têm estratégias de transição para uma economia de baixo carbono, até a presente data somente uma instituição financeira se comprometeu a ter metas baseadas na ciência submetidas a SBTi, o Banco do Brasil.
Para muitos, a saída passa por ações dos órgãos de supervisão do mercado financeiro, crendo que diante da falta de credibilidade de ações voluntárias a regulação seria a resposta adequada ao problema. A Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) n° 4.943 determina que duas classes de instituições financeiras (S1 e S2) realizem testes de estresse climático baseados em análises de cenário no âmbito dos seus gerenciamentos de risco, mas dá poucos detalhes de como esse procedimento deve ser realizado. A análise da atual conformidade das instituições supervisionadas ainda não foi divulgada. O futuro dirá se, com o pouco tempo restante para agir, as instituições financeiras serão somente táticas ou também estratégicas.
*Rafael Ceia Guerrero é economista formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Analista de Programas ESG na NINT – Natural Intelligence, empresa do grupo ERM.
Fonte: UmSóPlaneta
Publicação Ambiente Legal, 18/07/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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