por Franco Cristiano da Silva Oliveira Alves e Leandro Eustáquio de Matos Monteiro*
A Tecnologia 5g é uma das tecnologias habilitadoras da revolução industrial (4.0) pela qual estamos passando. Tal tecnologia (IoT – Internet of Things) imputa aos objetos a capacidade de disponibilizar informações a respeito de seu funcionamento, no qual “as coisas” se conectam à rede global de computadores, dotando os objetos de “inteligência”, fazendo com que eles tenham vida própria.
Não à toa, o Governo Brasileiro vem anunciando o “Leilão do 5G[1]” para o ano de 2021, o primeiro leilão não arrecadatório que será feito pela Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações, quando serão negociadas faixas de frequência em quatro bandas: 700 MHz; 2,3 GHz; 3,5 GHz e 26 GHz, que serão usadas para transmissão de dados. A velocidade da tecnologia 5G é o grande diferencial e o que promete mudar o modo de vida, os negócios e a relação do brasileiro com tecnologia. Para que a Tecnologia 5g aconteça no Brasil, exige-se uma boa infraestrutura para tanto, inclusive o aumento do número de Estações Rádio Base, as conhecidas Torres de Antenas de Telefone Celular.
Pensando no avanço da Tecnologia 5g e na necessidade do aumento do número de Torres para a implantação de tal tecnologia, o Deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), relator na Câmara dos Deputados da Medida Provisória 1.018/2020 fez uma emenda ao texto da norma encaminhada pelo Presidente da República. A alteração dada visa desobrigar o compartilhamento, obrigatório, de torres pelos prestadores de serviços de telecomunicações (teles) que utilizam estações transmissoras de radiocomunicação, nas situações em que o afastamento entre elas for menor do que 500 (quinhentos) metros, obrigação que está vigente desde 2009. Aprovada pela Câmara, a MP também obteve o crivo do Senado[2] e foi encaminhada à sanção pelo Presidente da República, o que aconteceu em 15/06/2021, dando origem à Lei 14.173[3].
No mesmo dia em que a Medida Provisória foi aprovada no Senado, houve o anúncio[4] de que TIM S.A. vai captar R$ 1,6 bilhão com a emissão de uma debênture de infraestrutura, recursos que serão utilizados para financiar a ampliação, a manutenção e a modernização das redes de transporte, de acesso fixo e móvel, centro de dados rede de comunicação máquina a máquina e rede 5G, vez que as empresas que vencerem o “Leilão do 5g” terão que “assumir compromissos associados à ampliação da infraestrutura de banda larga fixa, cobertura de rodovias federais com banda larga móvel, redes de transporte de alta velocidade, preferencialmente em fibra óptica, para municípios ainda não atendidos, dentre outros[5].
Para além disso, as empresas do ramo da construção civil podem pensar em contratos de Permuta com as empresas que atuam na área de torres, ou mesmo na instituição do direito de Laje. Mesmo os condomínios edilícios podem se interessar pela Instalação das Torres 5g, tendo o aluguel do terraço dos edifícios como uma fonte de receita interessante.
O Leilão da rede 5G, rede composta por até três tipos de frequência que exigem, cada uma, um tipo específico de antena, exigirá a instalação de um número muito maior de Torres de Antenas de celular. Para que isso aconteça, muitas normas municipais[6], leis que copiavam a norma federal revogada, precisarão ser revistas. Importante lembrar que a Anatel já aprovou edital[7] que determina que até 31 de julho de 2022 todas as capitais brasileiras e o Distrito Federal devem ser atendidas pela tecnologia 5g.
O Edital também definiu que, após a implementação do 5G nas capitais em julho de 2022, cada ano subsequente será voltado para que as operadoras ampliem as estações rádio-base para aumentar o campo de cobertura e sinal da tecnologia. Em 2023, a densidade de antenas deve ficar entre uma estação para cada 100 mil habitantes; em julho de 2023, isso diminui para uma estação para cada 50 mil habitantes; e em 2024, uma estação para cada 30 mil habitantes.
Até julho de 2029, todas as cidades com mais de 30 mil residentes devem ter cobertura em 5G. Para municípios que não são capitais, as mudanças ocorrerão a partir de julho de 2025, quando, além das capitais e do Distrito Federal, locais com população superior a 500 mil habitantes receberão a tecnologia. Em 2026, esse número cai para 200 mil; em 2027, para 100 mil; em 2028, para 30 mil; e em 2029, por fim, para 30 mil habitantes. Em todos os anos, a densidade de antenas deverá ser de uma estação rádio-base para cada 15 ml habitantes.
Para que esses prazos sejam cumpridos, a legislação precisará ser revista. É aqui onde entram em cena o princípio da Vedação do Retrocesso e a Escolha de Sofia.
Para quem clama pela vedação do retrocesso, o Poder público está proibido de promover uma desconstrução e regressão dos níveis de proteção ambiental já alcançados”. As normas que já existem, tal como o artigo que foi revogado[8] não poderiam tê-lo sido, vez que há um mínimo existencial (socioambiental), que opera como limite material apto a assegurar, em conjugação com outros elementos, níveis normativos mínimos em termos de proteção jurídica do ambiente”. Dentro desse raciocínio, o compartilhamento obrigatório de torres deve ser mantido, vez que o aumento do número desses equipamentos pode trazer impacto visual e poluição eletromagnética, ao menos em tese.
O princípio da Vedação do Retrocesso vem sendo utilizado em ações judiciais dentro da lógica de que alterações legislativas não podem atingir o núcleo do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sob pena de serem tidas como inconstitucionais, muito embora o STF (Supremo Tribunal Federal) já tenha decidido[9] que a aplicação do princípio da proibição do retrocesso social não pode engessar a ação legislativa e administrativa, sendo forçoso admitir certa margem de discricionariedade às autoridades públicas em matéria ambiental.
Quanto ao que o Judiciário pensa sobre tema em si, importante mencionar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.110, que discutiu a Lei 10.995, de 21 de dezembro de 2001, do Estado de São Paulo que impõe limites de exposição de ondas eletromagnéticas. No julgamento do mérito da ADI, o Plenário do STF acompanhou por unanimidade o entendimento do relator, ministro Edson Fachin, no sentido de que a existência de norma federal expressa, Lei 9.472, de 16 de julho de 1997, afasta a competência concorrente dos estados, vez que a norma federal atribui à Anatel a definição de limites para a tolerância da radiação emitida por antenas transmissoras.
Fachin lembrou ainda que, na Lei 11.934, de 5 de maio de 2009, a mesma que teve seu artigo 10 recém revogado, a União fixou limites proporcionalmente adequados à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos. Esses limites, que seguem as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Comissão Internacional de Proteção Contra Radiação Não Ionizante (ICNIRP), estão associados ao funcionamento de estações transmissoras de radiocomunicação, de terminais de usuário e de sistemas de energia elétrica nas faixas de frequências até 300 GHz, visando garantir a proteção da saúde e do meio ambiente.
Já se tendo falado da Tecnologia 5g, das Torres de Antena de Celular e do Princípio da vedação do Retrocesso, entra em cena Sofia e a escolha que deve ser feita, uma expressão que invoca a imposição de se tomar uma decisão sob pressão e enorme sacrifício pessoal, como a vista no filme homônimo de 1982[10] que rendeu a Meryl Streep o Oscar de melhor atriz. A trama cinematográfica vem do romance de William Styron, que conta a conhecida história de Sofia, uma polonesa que é presa com seus dois filhos pequenos, um menino e uma menina, no campo de concentração de Auschwitz durante a 2ª Guerra Mundial. Um sádico oficial nazista dá a ela a opção de salvar apenas uma das crianças da execução, ou ambas morrerão, obrigando-a à terrível decisão. O trauma é relembrado por Sofia em 1947, quando ela, morando em Nova York e casada com um judeu americano, vive um triângulo amoroso com um aspirante a escritor.
A Sofia Tupiniquim vai ter que escolher entre a manutenção do número de Torres de Antena de Celular que existem no Brasil, com o impacto visual e a Poluição Eletromagnética delas decorrente ou a construção de um número maior de Equipamentos e os benefícios que a Tecnologia 5g podem trazer para o Meio Ambiente.
Em função de sua baixa latência, isto é, pela sua capacidade de resposta quase instantânea, as redes 5g terão capacidade de fornecer inúmeras possibilidades de inovação no que tange, inclusive, a própria proteção do Meio Ambiente.
O controle de tráfego de veículos nas cidades deverá possibilitar o fluxo inteligente de veículos, diminuindo significativamente congestionamentos e, por consequência, a emissão de GEE. O uso de veículos elétricos e autônomos, assim como drones e outros veículos não tripulados, da mesma forma serão favorecidos pela tecnologia 5g, com inúmeros benefícios ao Meio Ambiente.
A mesma tecnologia possibilitará o dimensionamento e o controle de impactos ambientais em tempo real, permitindo a rápida e eficiente tomada de decisão por gestores ambientais e órgãos de controle. Desastres ambientais poderão ser preditos em decorrência do aumento da capacidade de processamento de dados viabilizado pela tecnologia 5g[11].
A tecnologia 5g possibilitará uma gama de outros serviços que propiciarão, da mesma forma, a geração e o consumo inteligente de energia, através das chamadas redes elétricas inteligentes, que respondem as demandas de consumo em tempo real, permitindo a elaboração de estratégias mais adequadas de uso, mitigando o os impactos ambientais para a sua produção.
Tal tecnologia trará inúmeros benefícios, sem dúvida. Assim como, igualmente, trará os seus próprios impactos ao Meio Ambiente e ao orbe sócio ambiental. A escolha, porém, precisará ou já foi feita e a compreensão das perdas e dos ganhos será imprescindível para aqueles que pretendem vivenciar a vida 5g. O Meio Ambiente e a Sustentabilidade agradecem!
Notas:
[1] https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-04/leilao-do-5g-entenda-o-que-vem-por-ai-e-conheca-novidades – acesso em 02/06/2021
[2] https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/05/27/congresso-derruba-obrigao-de-compartilhar-torre-de-celular.ghtml – acesso em 01/06/2021
[3] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.173-de-15-de-junho-de-2021-326154363 – acesso em 16/06/2021
[4] https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/05/28/tim-emitira-r-16-bi-em-debenture-de-infraestrutura.ghtml – acesso em 01/06/2021
[5] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-418-de-31-de-janeiro-de-2020-241105488 – Acesso em 01/06/2021
[6]LEI Nº 6545, DE 02 DE SETEMBRO DE 2019 de Betim/MG Art. 19 – É obrigatório o compartilhamento de torres pelas prestadoras de serviços de telecomunicações que utilizam estações transmissoras de radiocomunicação nas situações em que o afastamento entre elas for menor do que 500 (quinhentos) metros, exceto quando houver justificado motivo técnico.
[7] https://sei.anatel.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?eEP-wqk1skrd8hSlk5Z3rN4EVg9uLJqrLYJw_9INcO61uRIMyrYGXN-wikoCwguwWYDis_YBYFEU5BgfCuOrynS7KDqQzHrHMkY5oSUPz0VILveCDAE-5r5TGYfCBUhH – acesso em 01/06/2021cap
[8] Lei 11.934/09 Art. 10. É obrigatório o compartilhamento de torres pelas prestadoras de serviços de telecomunicações que utilizam estações transmissoras de radiocomunicação, conforme definição constante do art. 73 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, nas situações em que o afastamento entre elas for menor do que 500 (quinhentos) metros, exceto quando houver justificado motivo técnico.
[9] Supremo Tribunal Federal ADI 4.350/SF
[10] https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Escolha_de_Sofia_(filme) – acesso em 01/06/2021
[11] Este texto é uma homenagem a João Pedro Mello de Matos Monteiro (filho do Leandro) e Arthur Alves de Brito (filho do Franco), crianças para as quais se espera um futuro melhor, com Tecnologia 5g e Desenvolvimento Sustentável.
*Franco Cristiano da Silva Oliveira Alves – Ex-Superintendente Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da SUPRAM-TM, da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (MG). Diretor de Compliance e Sustentabilidade – SPBR Governança Compliance & Sustentabilidade. CEO do Oliveira Alves Direito Ambiental, Urbanístico e Imobiliário. Diretor de Compliance do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade. É advogado, especialista em Direito Público (Newton Paiva), especialista Geoprocessamento (PUC/MG), pós-graduando em Meio Ambiente e Sustentabilidade (FGV), Certificado em Data Science (PUC/RS), Certificado em Compliance e Gestão de Riscos ESG (PUC/RJ). Colaborador do Portal www.direitoambiental.com.
Leandro Eustáquio de Matos Monteiro. – Advogado e Professor Especialista em Direito Ambiental. Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/MG. Membro do Conselho Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais na Unidade Regional Colegiada do Alto São Francisco e na Câmara de Proteção à Biodiversidade e de Áreas Protegidas.
Fonte: Direito Ambiental
Publicação Ambiente Legal, 11/07/2021
Edição: Ana A. Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião da revista, mas servem para informação e reflexão.